Glutamina, acrescenta algo à nossa recuperação?

Vamos falar de Glutamina!
Este suplemento é muito badalado nos círculos do Fitness e considerado como um dos grandes e comprovados suplementos junto da Proteína e da Creatina.

  • Mas será mesmo assim tão tão comprovado? 
  • Acrescentará algo a uma dieta equilibrada de uma pessoa activa?
Vamos desmistificar...
A glutamina é um aminoácido usado na biossíntese das proteínas, ou seja, é utilizado como matéria-prima na sua produção.
É um aminoácido não essencial, o que significa que o corpo tem a capacidade de o produzir em quantidades suficientes sem recorrer à alimentação.
Em momentos de stress ou de doença a produção endógena pode não ser suficiente e nesse momento começa a ser obtida a partir da dieta.
Alimentos ricos em proteína, vegetais, frutas e alimentos fermentados são boas fontes de glutamina.
Diz-se que até 10% do conteúdo proteico que comemos ou suplementamos é composto de glutamina...isso corresponde a qualquer coisa como de 5 a 20g de glutamina por dia provenientes da nossa alimentação.
É o aminoácido mais abundante na circulação sanguínea, na sua forma livre.
Algumas das funções bioquímicas da glutamina:

  • Síntese proteica, 
  • Síntese lipídica,  
  • Regulação do equilíbrio acido-base dos rins através da produção de amónia,
  • Fonte de energia celular,  
  • Doação de nitrogénio para o processo anabólico  
  • Transportador não tóxico de amónia no sangue,  
  • Percursor de um neuro transmissor chamado ácido glutâmico que por sua vez está envolvido na manutenção da integridade da mucosa intestinal,  
  • Entre outros...
Vamos já fazer um ponto de situação:
  • Vimos que a Glutamina que está envolvida em inúmeros processos orgânicos, desde a sua regulações e equilíbrio até à produção de lípidos e proteína,
  • Daqui concluímos que ela é fulcral e pelo menos como matéria prima indispensável à nossa sobrevivência,
  • Vimos também que o corpo a produz e que por este motivo ela não é essencial,
  • No entanto, em momentos de fragilidade, isto pode não ser suficiente e aí entra a alimentação, que nos pode fornecer uma dose extra deste aminoácido.
Onde entra então a necessidade de suplementação?
Será que além da glutamina que produzimos e que ainda podemos obter da alimentação, uma dose extra suplementada fará diferença?
Ou será que, como tantos outros suplementos (alguns dos quais já aqui analisados), esta dose extra é simplesmente não aproveitada pelo nosso organismo (L-Carnitina é um bom exemplo)?
O Império da suplementação gasta rios de dinheiro em marketing e publicidade tentando nos convencer dos benefícios da glutamina, vamos analisar um por um e ponderar sobre a sua veracidade..
Aumento da Síntese proteica para crescimento muscular acelerado
Estudo em roedores, assim como estudos In Vitro/Em Vidro (processos biológicos que têm lugar fora dos sistemas vivos, no ambiente controlado e fechado de um laboratório), comprovam uma dependência entre as doses de glutamina suplementada e o aumento da síntese proteica.
No entanto, estudos em seres humanos (saudáveis) não suportam esta afirmação, nem quando as doses usadas chegam aos 900mg de glutamina por quilograma de massa magra (o que corresponde a 3x mais do que a dose recomendada dos suplementos).
Mesmo quando a toma é combinada com com creatina, proteína ou carboidratos, os resultados continuam a não ser significativos, deitando por terra a noção de que quanta mais glutamina tomarmos, mais proteína construiremos.
Tirando as pessoas fragilizadas por intervenções cirúrgicas, doenças relacionadas com atrofias musculares, traumas, queimaduras graves, etc, a glutamina não acelera nem auxilia o rácio de crescimento muscular de pessoas saudáveis, mesmo de quem treina com pesos pesados ou desenvolve esforços intensos nos seus períodos de treino.
Fortalecimento do sistema imunitário para melhor recuperação
A glutamina desempenha um papel na função imunitária, fornecendo energia a linfócitos e macrófagos.
Este argumento ganha peso em momentos de stress quando as necessidades do corpo superam a sua capacidade de produção, quando estamos doentes por exemplo.
Pela mesma lógica tenta-se concluir que a suplementação poderia melhorar a recuperação e prevenir o ''over-training/under resting'' após sessões de treino intensas, permitindo ao atleta treinar a uma frequência mais elevada e melhorar a qualidade do seu treino.
Com exceção dos esforços desenvolvidos por atletas de maratonas (treinos de resistência), triatlos, etc, para os quais as atividades desenvolvidas por mais de 2h podem diminuir os níveis de glutamina do corpo e justificar a sua suplementação, os esforços de alta intensidade desenvolvidos durante um curto período (como os do treino de musculação) produzem apenas um efeito temporário na células do sistema imunitário, não justificando a sua suplementação.
Aumento da produção de Hormona de Crescimento
Após estudos comprovarem que a suplementação de glutamina pode aumentar temporariamente os níveis de produção de hormona de crescimento, o interesse neste suplemento cresceu exponencialmente.
A verdade é que aumentos transitórios de curto prazo nos níveis de produção desta hormona não são sinónimos de ganhos de volume e força muscular.
Estes só ocorrem quando existe um grande aumento da produção, sustentado por um longo período de tempo.
Suplementar glutamina com este propósito é um desperdício de dinheiro.
Melhor reposição dos níveis de glicogénio no pós-treino
Quando exercemos esforços fisicos intensos o corpo usa os carboidratos como fonte de energia (ao invés das gorduras), diz-se então que estamos a utilizar o sistema glicolítico de energia.
A fonte de carboidratos mais disponível é o glicogénio armazenado nos músculos.
Em esforços não muito prolongados (até uma hora de treino), estas reservas não chegam a ser esgotadas, bastando uma dieta equilibrada para que a sua reposição esteja completa a tempo do próximo treino.
Para atletas que treinam uma vez por dia, 3 a 5 dias por semana, a suplementação de glutamina não é justificada para este efeito.
Para atletas de competição que treinam duas vezes por dia, 5 ou mais dias da semana, ou atletas de endurance que fazem treinos longos (mais de 2h), a reposição dos níveis de glicogénio deve ser uma preocupação.

No entanto, alimentos como as frutas (alto nível glicémico) ou os cereais e leguminosas (alta carga glicémica) fazem o mesmo ou melhor trabalhado na reposição do glicogénio que os suplementos de glutamina, a um preço bem menor.
Conclusões
Nalgumas situações particulares o uso deste suplemento pode ser útil:

  • Dietas restritivas de calorias conjugadas com períodos de grande volume de treinos, (atletas que precisam de perder peso para uma competição, programas mais extremos de perda de peso, etc), 
  • Atletas de endurance/resistência que seguem o protocolo normal destes desportos (na minha opinião excessivo), ou que treinam em condições climatéricas adversas (maratonistas, triatlos, ultramaratonistas, etc),  
  • Pessoas com condições clínicas de grande stress (quimoterapia, queimaduras graves, SIDA, gripes severas, etc).
Tirando estes casos acima citados, não existem evidências de que esta suplementação tenha benefícios em pessoas saudáveis que seguem um regime alimentar equilibrado.
A somar à falta de evidência dos benefícios, temos um problema chave
(tal como noutros suplementos) que consiste na dificuldade em comprovar que a substância suplementada é efectivamente utilizado pelo corpo para o fim que desejamos.
No caso da glutamina, a maior parte dela é usada pelos intestinos antes de chegar à corrente sanguínea e posteriormente aos músculos.
Uma coisa é o corpo produzir a sua própria glutamina ou retirá-la intencionalmente dos alimentos em caso de necessidade, outra é tomar um suplemento de uma substância isolada e esperar que o organismo faça o uso que queremos dela, só porque a mesma existe em dose extra.
O caminho para o uso de substâncias em forma de suplemento não é direto nem garantido.
Vemos então que este mito é perpétuado pelos interesses da indústria da suplementação, que em vez de promover informação sobre alimentação saudável, foca os seus esforços na promoção de substâncias que nada acrescentam a

esta, baseando-se em interpretações tiradas fora do contexto geral, manipulando o sentido das suas conclusões para servir os seus interesses.
Ficam os textos que usei para escrever este Post e onde pode encontrar links para os testes efetuados com esta substância:

Conhecimento é poder