Cereais integrais vs Cereais refinados

Com o advento da agricultura,
sensivelmente há 12.000 anos, os cereais ficaram presentes na nossa alimentação. Antes de cultivar cereais o homem caçava animais e recolhia bagas, frutas, plantas e pouco mais, e esteve neste padrão de caçador/recolector durante 200.000 anos. 
Comparando estes limites temporais, podemos concluir que os cereais são relativamente ''recentes'' na nossa alimentação. Entre os cereais mais usados na nossa alimentação temos o arroz, milho, aveia, trigo, cevada, centeio, sorgo, quinoa, etc...
O grão ou semente do cereal é composto por três partes:
  • Farelo, a camada exterior da semente do cereal, contém a maior parte da fibra deste, e também minerais, antioxidantes e fitonutrientes,  
  • Gérmen, é o embrião de onde se forma uma nova planta, daí ser a parte mais rica em nutrientes, dos quais carboidratos, gorduras (polinsaturadas), proteínas, vitaminas (B, E), minerais, antioxidantes e ácido fólico,  
  • Endoesperma, é a parte maior do grão de cereal, é composta maioritariamente por carboidratos (amido de elevada carga glicémica) e algumas proteínas.
No processo de refinação o farelo é removido por não acrescentar valor comercial (é uma camada externa dura, não atractiva em termos de paladar, etc).
O gérmen, por conter óleos polinsaturados que oxidam rapidamente (ficam rançosos), é também removido para que a parte restante (endosperma) possa durar meses numa prateleira de um supermercado sem se depreciar.
Sobra o endosperma...açúcar com o nome de amido, a parte mais pobre do cereal (em termos qualitativos/nutricionais). A refinação é exactamente isto, retirar o que prejudica o lucro, seja o farelo por dificultar a digestão, a preparação e o sabor, seja o gérmen por não permitir a durabilidade do produto. Perde-se assim a riqueza nutricional do cereal.
Do endosperma fazem-se as farinhas brancas que juntamente com os óleos hidrogenados compõem virtualmente quase todos os produtos processados e disponíveis nos supermercados, desde bolachas, pão, bolos, doces, pizzas, etc...
Vamos ver o que acontece quando ingerimos estes cereais refinados:
  • O endosperma, além de ser pobre em conteúdo, é composto por um tipo de carboidrato de alta carga glicémica que ao entrar no corpo é rapidamente decomposto em glicose e faz subir os níveis de açúcar do sangue,  
  • Por sua vez esta rápida escalada dos níveis de açúcar do sangue faz libertar a hormona insulina com o objectivo de baixar estes mesmos níveis.  
  • A insulina procede à sua remoção dando sinal às células musculares e ao fígado para converter e armazenar esta glicose em glicogénio (uma reserva primária de energia),  
  • A glicose não convertida em glicogénio é por sua vez transformada em triglicerídeos (gordura) e armazenada no fígado e tecido adiposo,  
  • Se os triglicerídeos forem em número superior ao que o tecido adiposo consegue armazenar, irão circular no sangue transportadas nas lipoproteínas (LDL) e sujeitos a permearem a membrana do endotélio e entrarem em contacto com os radicais livres, o que poderá provocar doenças cardiovasculares.
Mas existe outro problema, com a rápida absorção provocada por estes alimentos criam-se picos com uma acentuada subida e descida no níveis de açúcar no sangue. Para percebermos como isto acontece e é prejudicial para a nossa saúde temos de perceber como funciona a hormona insulina.
A libertação de insulina, em condições normais e milenares, é feita em duas fases: 
  • A primeira consiste numa resposta ao aumento dos níveis de açúcar no sangue e dura aproximadamente 10 minutos,  
  • Na segunda fase dá-se uma libertação mais lenta e sustentada que atinge o seu pique por volta das 2 ou 3 horas após a primeira fase. Esta fase é independente do nível de açúcar no sangue.
Vejam o que acontece com estes alimentos manipulados pela nossa indústria:
  • Os carboidratos dos cereais refinados quando entram no sangue são transformadas em glucose a uma velocidade vertiginosa e o nível de açúcar no sangue sobe a pique,  
  • A libertação de insulina é proporcional, uma imensa quantidade entra no sangue e tenta dar conta desta glucose, que excedendo as nossas necessidades imediatas segue o caminho acima descrito,
  • Após isto o nível de açúcar no sangue é normalizado, mas por estes carboidratos serem de rápida absorção, após a primeira fase de libertação de insulina, não haverá mais glucose para remover,  
  • Seguem-se sucessivas descargas controladas de insulina (segunda fase) que irão encontrar níveis normais de açúcar no sangue, baixando estes mesmos para níveis abaixo do normal (por não haver mais glucose proveniente de alimentos integrais ou de baixa carga glicémica, coisa milenar a que a nossa biologia se adaptou),  
  • O resultado é a sensação de fome e de insaciedade que nos leva a uma ânsia por açúcar (sugar craving) no seu estado mais simples (doces, bolos, etc), para fazer face a esta potencial hipoglicemia que ameaça o nosso equilíbrio energético (homeostase energética),  
  • Dá-se também o aumento da quantidade de comida ingerida, uma fome que se traduz em refeições pouco saciantes e mais frequentes (pouco intervalo de tempo entre refeições).
Desregulamos a nossa produção de insulina, as células ficam menos sensíveis à libertação desta hormona e o corpo produz mais para compensar. A este fenómeno dá-se o nome de resistência à insulina.
Mais insulina no sangue, mais fome, mais insaciedade e o ciclo repete-se e agrava-se...tornamo-nos uma máquina ineficiente de acumulação de energia (gordura). O passo seguinte é a Diabetes.
Vamos ver o que acontece com os cereais integrais: 
  • Os cereais integrais têm tempos de absorção mais lentos, que correspondem a uma primeira fase de libertação de insulina mais fraca, pois o nível de açúcar no sangue não sobe tão drasticamente,
  • Após esta primeira fase, foram conjuntamente libertadas outras hormonas (Leptína, GLP-1, PYY3-36, Amilina, entre outras) cuja a função é abrandar o esvaziamento gástrico, aumentar a sensibilidade da insulina (após a primeira fase) e sinalizar o final da refeição, através da transmissão da sensação de saciação,  
  • Como os produtos integrais são absorvidos lentamente, a segunda fase de libertação de insulina irá sempre encontrar mais moléculas de glicose no sangue. Lentamente e ao longo de 2-3 horas ela irá encaminhar essa glicose (através de intervalos sucessivos e moderados) para as células musculares, tecido adiposo ou fígado,  
  • Após 3 horas (o pique de libertação da segunda fase da insulina) está na hora de outra refeição e, desta maneira, a insulina contribuí para a regulação do apetite e dos níveis de açúcar no sangue. 
Este processo é mais estável e controlado no caso dos cereais integrais, reparem que só nos últimos 100 anos temos consumido cereais e farinhas refinadas. Antes disso o pão era escuro e os cereais eram integrais.
Os cereais integrais além de mais ricos em nutrientes, tinham outros componentes (como a fibra) que tornavam mais lenta a absorção dos carboidratos, ou seja, não eram puro açúcar (endosperma).
Pode-se dizer que, de uma necessidade industrial e comercial, foi incorporada na produção este processo de refinação. Mas os cereais, mesmo que integrais, serão saudáveis?
Como já vimos os cereais e o seu cultivo são algo relativamente recentes na nossa evolução e os integrais são definitivamente preferíveis aos refinados, mas ao contrário do que nos ensina a roda ou pirâmide dos alimentos, não devem estar na base da nossa alimentação.
Digo isto porque, apesar de terem uma absorção mais lenta (e maior número de nutrientes), continuam a ser alimentos de carga glicémica elevada.
Quem quer manter ou perder peso, quem tem resistência à insulina ou indícios de obesidade, não deve fazer destes alimentos a base da sua alimentação.
Como fonte principal de energia, os cereais e alimentos de altas cargas glicémicas estimulam o nosso corpo a armazenar triglicerídeos (gordura), por todos os motivos acima descritos e com todas as consequências também descritas. No entanto, para pessoas do tipo ectomorfo (que queiram ganhar peso) e pessoas com uma vida que envolva muita atividade física (atletas e outras profissões), a inclusão destes alimentos faz mais sentido, pois o metabolismo acelerado e imensa energia despendida, dificilmente deixará a glucose se converter em triglicerídeos ou se acumular no tecido adiposo.
Para terminar tenho de referir que no seu estado natural, estes grãos contém antinutrientes (lecitinas, fitatos, etc), substâncias que inibem ou impedem a absorção dos nutrientes.
Na natureza, antes de apanharem chuva e poderem começar o processo de germinação, os grãos de cereais estão protegidos do mundo exterior por qualidades antinutritivas, daí a nossa tradição de demolhar os cereais, práticas que se perderam com a industrialização da alimentação.
Se estão a pensar seguir uma alimentação mais saudável que contenha cereais integrais, certifiquem-se que usam um dos seguintes processos na sua preparação, para garantir uma melhor digestão e um melhor aproveitamento dos seus nutrientes: