O Vegetarianismo (parte 2)

Segunda parte do texto sobre o Vegetarianismo e se não leram a primeira, podem fazê-lo aqui.
  • Os vegetarianos são saudáveis? 
  • Podemos fazer desporto de forma vigorosa se não comermos alimentos animais?
Analisámos alguns dos nutrientes que compõem os alimentos vegetais e animais e fizemos uma comparação.
Vimos que os alimentos vegetais podem ser boas fontes de proteína e lípidos, apesar de muita polémica rodear a proteína vegetal...mas será que o mesmo se verifica para os restantes nutrientes?
Vamos continuar a nossa análise...
Carboidratos

Os alimentos vegetais são constituídos maioritariamente por carboidratos, sejam cereais, leguminosas, vegetais, sementes, frutas ou frutos secos, todos eles contêm este macronutriente em abundância.
Enquanto que os alimentos animais poucos ou nenhuns carboidratos contêm, alguns alimentos vegetais têm uma grande concentração, tal é o caso dos cereais.
Temos 2 tipos de carboidratos:

  • Os açúcares simples (denominados açúcares nas tabelas nutricionais), que são de rápida absorção, dentro dos quais temos os monossacarídeos (frutose das frutas, entre outros) e os dissacarídeos, que resultam da junção de dois monossacarídeos (lactose do leite, entre outros),
  • Os açúcares complexos ou polissacarídeos (denominados amido e fibras), compostos por cadeias de três ou mais monossacarídeos, dentro dos quais temos o amido, que existe maioritariamente nos cereais e leguminosas e que pode ser de absorção mais rápida ou lenta consoante a concentração de fibras no alimento (alimentos integrais contêm mais fibras que atrasam este processo de digestão), as fibras, que não são absorvidas e melhoram o funcionamento intestinal, além de retardarem a absorção dos outros carboidratos (açúcares e amidos).
Assim percebemos que os carboidratos não são todos iguais.
Uma alimentação rica em amido e açúcares, mas pobre em fibras pode nos trazer problemas de saúde.
Já uma alimentação rica em fibra vai atrasar a absorção dos restantes carboidratos e isso, ignorando outras variáveis, será uma opção mais saudável.
O Índice Glicémico é uma medida que classifica a composição de carboidratos contidos num alimento, pois diferentes carboidratos têm diferentes velocidades de absorção, como já percebemos.
Quanto mais rápida for a absorção, menos saudável se considera o alimento e maior o seu índice glicémico, de uma forma linear é este o paradigma atual.
O índice glicémico é portanto uma medida de qualidade.
Mas existem alimentos que podem ter um índice glicémico muito elevado e, ao mesmo tempo, pouca quantidade de carboidratos. Tal é o caso das frutas que, no geral, não são grandes estimuladoras da libertação de insulina quando consumidas moderadamente, apesar dos seus açúcares de rápida absorção (caso da maçã na tabela abaixo).
Por isso foi criada a carga glicémica, medida que junta a ''Quantidade'' com a ''Qualidade''.

Visto a alimentação vegetariana ser tão abundante de carboidratos, é importante fazer esta análise qualitativa e quantitativa, pois em excesso (quantidade) e de rápida absorção (qualidade) estes podem contribuir para muitos dos problemas de saúde que hoje nos assombram.
Uma coisa é comermos muitos vegetais e frutos secos, outra é exagerarmos nas massas, pães e cereais (em especial os refinados), que em conjunto com outros hábitos alimentares pouco saudáveis estão na origem de problemas como a obesidade, diabetes e todas as doenças inflamatórias que tenho referido.

Vamos ver a seguinte tabela: 

Por cada 100g
Calorias:
(100%)
273
105
155
60
618
35
897
- Carboidratos
0,4
0,15%
-
4,5
2,9%
17,9
29,3%
40,8
6,6%
25,8
73,7%
198
22,1%
- Gorduras
164
60,1%
7,8
7,4%
95,7
61,7%
29,2
48,7%
494
79,9%
3,4
9,7%
593
66,1%
- Proteína
108
39,6%
97,3
92,6%
54,9
35,4%
12,9
21,5%
83,5
13,5%
5,8
16,6%
107
11,8%
Carboidratos:
(100%)
-
-
1,1g
5,3g
9,9g
7,2g
48,5g
- Fibra
-
-
-
-
6,8g
68,7%
4,4g
61,1%
45,9g
94,6%
- Açúcares
-
-
1,1g
100%
5,3g
100%
1,1g
11,1%
2,8g
38,9%
2,6g
5,4%
- Amido
-
-
-
-
0,2g
2,02%
-
-
Observando o quadro podemos concluir que:
  • Os alimentos animais, à exceção do leite, praticamente não contém carboidratos 
  • Os carboidratos perfazem metade da composição das sementes de linhaça, mas mais de 90% destes são fibras que não são absorvidas nem estimulam a produção de insulina, além de atrasarem a digestão dos açúcares e amido,  
  • As nozes e os brócolos têm pouca concentração de carboidratos (menos de 10%) e a maior parte destes provêm de fibras,  
  • Tanto as nozes, como os brócolos e as sementes de linhaça são alimentos de baixa carga glicémica.
Em relação às calorias, já vimos no post ''O que são Calorias? Vale a pena contá-las?'' que:
  • Cada grama de gordura corresponde a 9kcal, 
  • Cada grama de proteína corresponde a 4kcal,  
  • Cada grama de carboidrato corresponde a 4kcal.
Por este motivo alimentos que contêm muita gordura (carne, ovos, frutos secos e sementes) são também altamente calóricos, no entanto, como concluímos no referido post, não é a quantidade de calorias que importa mas sim a sua origem.
100 calorias das sementes de linhaça não são iguais a 100 calorias de um bolo, pois dependendo da origem destas, diferente será a resposta/reacção do nosso corpo.
Da mesma forma, calorias da proteína ou da gordura não são tão facilmente armazenadas e transformadas em gordura corporal como a dos carboidratos (açúcares e amido), pois têm um processo de digestão mais lento, além de um efeito saciante maior que nos faz comer menos quantidade de alimentos por refeição.
Façam o seguinte teste:
  • Tentem comer 4 ovos cozidos e no final comer mais um... 
  • Tentem comer 1 prato cheio de arroz com feijão e no final repitam e adicionem um gelado como sobremesa...
Percebem onde quero chegar?
Provavelmente não comem mais nenhum ovo além do quarto e este quarto já vai no esforço...o arroz com feijão é só servir mais e os gelados são ''à Lagardère''.
Isto está correlacionado com a libertação massiva da hormona insulina que os carbidratos de absorção rápida provocam e que já falamos anteriormente...a insulina libertada remove os açúcares do sangue para os transformar em energia ou armazenar em gordura.
Se o tipo de carboidratos ingeridos forem de alta carga glicémica e não contiverem fibras que atrasam a sua digestão, a descarga de insulina é tão massiva que diminui o nosso nível de açúcar no sangue (abaixo do nível normal), causando insaciedade (mais vontade de comer).
É este o motivo pelo qual o excesso de carboidratos de alta carga glicémica podem ter consequências negativas na nossa saúde.
Em relação a isto podem ler o post ''Quem contribuí mais para a saciedade de uma refeição?''.
Percebendo isto, em relação à tabela anterior, podemos observar que:
  • A carne, peixe e ovos têm mais calorias que os vegetais (brócolos) mas menos que as sementes e frutos secos, 
  • A maior parte das calorias da carne, ovos, sementes e frutos secos provém das gorduras,  
  • A maior parte das calorias do peixe provém da proteína,  
  • Os frutos secos e sementes são, no mínimo, 3 vezes mais calóricos do que a carne, o peixe ou os ovos,
Como estas calorias que observamos têm uma proveniência mais ''saudável'', serão benéficas e não uma causa de acumulação de gordura no nosso corpo com consequências negativas para a nossa saúde.
Vamos observar uma tabela que contenha alimentos ''menos saudáveis'' (maior carga glicémica): 

Por cada 100g
Calorias:
(100%)
111
130
116
48
367
393
- Carboidratos
94,7
85.3%
117
90%
81,5
70,3%
46
95,7%
269
73,3%
199
50,6%
- Gorduras
7,5
6,8%
2,3
1,77%
3,2
2,7%
1,1
2,3%
53,1
4,5%
173
44%
- Proteína
8,8
7,9%
10,3
7,93%
31,3
27%
0,9
1,9%
45,3
12,3%
21,1
5,4%
Carbohidratos:
(100%)
23g
28,2g
20,1g
12,8g
74,7g
49,5g
- Fibra
1,8g
7,86%
0,4g
1,42%
7,9g
39,3%
1,3g
10,2%
10,1g
13,5%
1,7g
3,4%
- Açúcares
0,4g
1,74%
0,1g
0,36%
1,8g
9%
10,1g
78,9%
4g
5,4%
27,1g
54,8%
- Amido
20,8g
90,4%
27,7g
98,2%
10,4g
51,7%
-
55,9g
74,8%
20,7g
41,8%
Vemos então que:

  • O arroz integral tem menos carboidratos e calorias que o arroz branco e mais fibra que atrasa a digestão do amido, 
  • As lentilhas têm uma concentração de carboidratos idêntica ao arroz mas mais assente em fibra e menos em amido, bem como mais calorias provenientes de proteína,  
  • As maçãs têm poucas calorias e estas são provenientes dos açúcares (carboidratos),  
  • Os Cheerios têm o triplo das calorias do arroz e lentilhas, estas provêm de carboidratos (amido),  
  • Os Muffins (queques) também têm o triplo das calorias do arroz e lentilhas, estas provêm de carboidratos (amido e açúcares) e de gordura.
Vamos desenvolver esta análise e generalizar:
  • Os cereais integrais têm mais gordura e os mesmos (ou sensivelmente menos) carboidratos, bem como mais fibra e menos amido na sua composição. Isto significa que têm menor carga glicémica, são absorvidos mais lentamente e providenciam uma maior saciedade e janela temporal para a sua queima, do que os seus parceiros refinados. No entanto, mesmo quando integrais, os cereais continuam a ser alimentos de alta carga glicémica, ou seja, muito concentrados (quantidade) em carboidratos quando comparados com os vegetais (bróculos) e os frutos secos (noz). 
  • As sementes (linhaça) são igualmente concentradas em carboidratos mas estes provém quase que exclusivamente de fibra, o que lhes confere menor carga glicémica, 
  • As leguminosas (lentilhas) são uma melhor escolha que os cereais pois contêm mais fibra e mais calorias derivadas de proteína, contribuindo para uma menor carga glicémica,  
  • As frutas (maçã) são ricas em açúcares simples e portanto de rápida absorção (qualidade), no entanto a sua concentração (quantidade) de carboidratos é mínima e a sua carga glicémica mais baixa,  
  • Os Cheerios e os Muffins são um lixo, calorias altíssimas com uma origem em açúcares, desprovidas de valor nutricional, um não-alimento que não deveria fazer parte da nossa alimentação mas que infelizmente compõe a sua maioria, especialmente na dos mais jovens.
Na prática isto quer dizer o quê?
  • Que devemos trocar os cereais refinados pelos integrais, 
  • Diminuir a quantidade ou não depender unicamente dos cereais (integrais) para suprir as nossas carências nutricionais,  
  • Substituir estes por alimentos baixa carga glicémica (vegetais) e outros que contenham proteína e gordura em quantidades consideráveis (frutos secos e sementes),  
  • Optar também por introduzir leguminosas na substituição de cereais e não como complemento na mesma refeição,
A alimentação vegetariana é rica em carboidratos e estes são o seu ponto forte. Escolher aqueles com menor carga glicémica e mais fibra (vegetais, leguminosas), bem como acompanhá-los de outros com proteína e gordura (frutos secos, sementes) é o segredo da alimentação vegetariana, que pode ser restrita mas não é limitada.
Variem e não dependam só das farinhas e cereais, são doces e viciantes mas estimulam uma grande libertação de insulina que não vos dá a energia que vocês precisam...uma energia leve e sustentável.
Isto é especialmente importante para quem não quer ganhar peso ou gordura e também quem se identifica mais com o biotipo endomorfo.
Próximo post vamos falar dos micronutrientes (vitaminas e sais minerais) e vamos concluir se ser vegetariano é uma opção saudável e aplicável a quem faz desporto, mesmo que intensamente.