Café...posso beber?

O café é a bebida mais controversa dos tempos modernos, existem vários estudos a dizer que é nocivo para a nossa saúde e vários estudos a dizer que é benéfico.
Mais controverso ainda que o leite, está na altura de tentarmos espalhar alguma luz sobre esta bebida e percebermos em que condições o café pode ser ''bom'' e quando pode ser ''mau''.
Temos que perceber também que a cafeína, que faz parte do café, é a substância psicoativa (substância química que age principalmente no sistema nervoso central, onde altera a função cerebral e temporariamente muda a percepção, o humor, o comportamento e a consciência) mais consumida no mundo e que o café foi, nos anos 80, a segunda mercadoria mais comercializada, a seguir ao crude (petróleo).
A segunda mercadoria mais comercializada e para alguns países (em desenvolvimento) representa a sua mais valiosa exportação e fonte de receitas...já pensaram no que isto significa?
Significa que existe um tremendo e brutal interesse económico por detrás da sua produção e comercialização que torna muito difícil termos acesso a informação transparente e credível acerca dos benefícios ou efeitos nocivos do café.
Vamos então do inicio...
O café é uma bebida (fermentada) produzida a partir dos grãos torrados do fruto do cafeeiro.
Informação nutricional


Nutrientes
Calorias
1kcal
0kcal
Proteína
0,1g
0,1g
Carbohidratos
0g
0g
Gordura
0g
0g
Colesterol
0g
0g
Vitaminas

·         K
0,1mcg
0,1mcg
·         B2
0,1mg
0mg
·         B3
0,2mg
0,2
·         B9
2mcg
0mcg
·         B5
0,3mg
0mg
·         B8
2,6mg
1mg
Sais Minerais

·         Cálcio
2mg
2mg
·         Magnésio
3mg
5mg
·         Fósforo
3mg
1mg
·         Potássio
49mg
54mg
·         Sódio
2mg
2mg
·         Ferro
0mg
0,1mg
·         Selénio
0mcg
0,1mcg
·         Flúor
90,7mcg
52,4mcg
Água
99,4g
99,3g
Cinza
0,4g
0,1g
Cafeína
40mg
1mg
Dá para perceber que o café nada tem de macronutrientes, mas que contém algumas vitaminas e sais minerais.
Mas existem outros constituintes do café que não estão presentes neste valor nutricional e que são responsáveis pela sua controvérsia e efeitos positivos/negativos.
Entre os constituintes do café encontramos:

  • A cafeína 
  • Os Polifenóis dentro dos quais os ácidos fenólicos como os ácidos clorogénicos  
  • Os Fitoestrogénios  
  • Os Diterpinos (cafestol e caveol/kahweol)
Vamos analisar individualmente cada um destes compostos e ver o que os estudos dizem dos mesmos.
Cafeína
As plantas como as cafeeiras, nozes kola, cacaueiros, folhas de chá, etc, produzem este composto para repelir os insectos através do sabor amargo que é conferido às suas folhas/grãos.
É usada em bebidas energéticas e em medicamentos de forma a aumentar a sua efetividade. Quando estamos cansados o nosso corpo produz um composto que dá pelo nome de adenosina, que em níveis concentrados nos dá sono e nos prepara para dormir/descansar.
A cafeína compete pelos receptores da adenosina e impede que este sinal de cansaço seja transmitido, estimula o nosso Sistema Nervoso Central (SNC) mantendo-nos despertos, mais alertas e concentrados através do aumento da segregação de catecolaminas (dopamina, norepinefrina e epinefrina/adrenalina).
Argumentos pró:

  • Pode melhorar o humor, o tempo de reacção, tornar-nos mais despertos e melhorar as funções cognitivas de uma forma geral, 
  • Pode aumentar o metabolismo (queimar mais calorias) e melhorar a performance física,  
  • Alguns estudos in vitro têm demonstrado a atividade antioxidante da cafeína, tornando-a uma potencial protetora do sistema cardiovascular.
Argumentos contra:
  • O aumento dos níveis de catecolaminas que estão na base dos argumentos pró também são vistos como potencialmente negativos, chamadas de hormonas do stress que em doses mais elevadas podem causar ansiedade, tremores, perturbar o sono e promover a libertação de cortisol que estimula a libertação de insulina, maior nível de insulina mais ‘’sugar cravings’’ (vontade de comer coisas doces, açúcares rápidos), 
  • A habituação à cafeína aumenta a resistência à insulina, processo que está na base do aumento dos níveis de açúcar no sangue, formação de ateromas e aumento do risco de doenças cardiovasculares,  
  • A cafeína pode provocar um aumento agudo da pressão arterial e ter um efeito diurético (perda de líquidos),  
  • Pode produzir um aumento agudo do débito cardíaco (volume de sangue bombeado pelo coração num minuto), vasoconstrição e resistência vascular periférica, originando problemas cardiovasculares.
Conclusão:
Os argumentos contra são pesadíssimos, mas pelo que percebi estão dependentes da dose que tomarmos de cafeína e eu acredito que em doses ligeiras (2 chávenas por dia) e descontinuadas (fazer pausas ou ciclos) todos estes efeitos negativos não se verificam, ou não se verificam em quantidades preocupantes.
Obviamente que se exagerarmos seja no que for, teremos efeitos negativos e a cafeína não é exceção.
Outra coisa que reparo é na contradição no que diz respeito ao sistema cardiovascular:

  • Por um lado a cafeína tem um efeito antioxidante que é benéfico para o nosso coração, 
  • Por outro lado parece que o aumento da pressão arterial, assim como os efeitos de estimulação da insulina e resistência à mesma podem no médio-longo prazo comprometer a saúde deste sistema.
Mais uma vez acho que a resposta está nas doses...em doses moderadas podemos usufruir do efeito antioxidante da cafeína sem os outros problemas associados.
É de sublinhar que a maior parte das pessoas que bebe café e especialmente as que bebem muito café (mais de 4 cafés por dia), são fumadoras ativas e têm um estilo de vida sedentário, bem como uma alimentação baseada em comida processada. Isto como é óbvio tem repercussões nas conclusões dos estudos e vai influenciar toda esta questão das doenças cardiovasculares e dos processos inflamatórios.
A questão diurética não me parece negativa, perder líquidos pode levar à desidratação, mas tendo em conta que o café é constituído em mais de 90% por água, uma acaba por compensar a outra.
Assim como a perturbação do sono, quem sabe que com determinada quantidade de café pode ter dificuldades em dormir, conscientemente não beberá café nas 6 horas anteriores ao seu descanso,
De referir que os efeitos benéficos da função cognitiva são de curto-prazo e que o nosso organismo tende a criar tolerância à cafeína, ou seja, com o tempo as pessoas têm de aumentar a dose para sentir o mesmo efeito, mas chegando a certo ponto este consumo tem de ser interrompido (mais de 5 chávenas por dia talvez?),
Acredito que em quantidades moderadas e cíclicas (parar durante um tempo para não criar habituação), a cafeína contida no café não será prejudicial à saúde e pode ter efeitos tanto positivos como estimulantes para quem vai ter uma sessão de treino, de estudo, ou uma longa noite a conduzir ou a trabalhar.
Cafeína em quantidades excessivas durante longos períodos de tempo? Prejudicial para a saúde...
Cafeína em quantidade moderado utilizada de forma descontinuada? Potencialmente benéfica para a saúde...
Polifenóis
No Post ‘’Radicais livres e antioxidantes...mas isto é o quê mesmo?’’ vimos que:

  • Os radicais livres e os oxidantes têm um papel duplo no nosso organismo, podem prejudicar ou serem úteis consoante a sua concentração, 
  • Quando os radicais livres se concentram ao ponto do corpo não os conseguir eliminar e repor o equilíbrio, gera-se um fenómeno chamado de stress oxidativo,  
  • Este processo tem a sua influência no desenvolvimento de doenças crónicas e degenerativas como o cancro, as cataratas, artrite reumatóide, doenças auto-imunes, cardiovasculares e neuro degenerativas,  
  • O corpo humano tem vários mecanismos que reagem a este stress oxidativo, entre eles a produção de antioxidantes ou o aproveitamento destes contidos nos alimentos,  
  • Estes funcionam como um exército que procura e remove os radicais livres, prevenindo ou reparando os seus danos, reforçando o sistema defensivo e baixando os riscos de contrair as doenças acima citadas.  
  • O café pertence ao grupo de alimentos com maior conteúdo de antioxidantes, pois além da cafeína e dos diterpenos, o café é uma importante fonte de compostos fenólicos.
O termo polifenóis ou compostos fenólicos refere-se a um amplo e numeroso grupo de moléculas encontradas nos vegetais, frutas, cereais, chás, café, cacau, etc.
Nas plantas, eles exercem uma função de protecção e defesa contra microorganismos e insetos, entre outras.
Com base na sua estrutura e na maneira pela qual os anéis polifenólicos se ligam uns aos outros são classificados em quatro famílias:

  • Flavonoides (flavonas, flavanonas, catequinas e antocianinas), 
  • Ácidos fenólicos,  
  • Lignanas,  
  • Estilbenos (resveratrol).
Os polifenóis têm recebido muita atenção da comunidade científica pelo seu efeito antioxidante, pela modulação da atividade enzimática, a inibição da proliferação celular e pelo seu potencial como agente antibiótico, anti-alérgico e anti-inflamatório.
O café é rico em ácidos fenólicos, especialmente de ácidos clorogénicos dos quais o ácido cafeico apresenta a maior capacidade protetora antioxidante.
O teor de ácidos clorogénicos nesta bebida é considerável, chegando a atingir em média de 35 a 225mg por cada 100ml consoante o tipo de grão, o seu processamento e técnica de análise. Estudos têm evidenciado atividade antioxidante de substâncias presentes no café nos quais foi verificada inibição significativa da peroxidação lipídica (degradação oxidativa dos lípidos), devido à atividade antioxidante dos ácidos clorogénicos, atribuída principalmente ao ácido cafeico.
Argumentos pró:

  • Os ácidos clorogénicos podem reduzir a absorção de glucose no intestino, reduzindo o risco de contrair diabetes tipo II, 
  • Têm um efeito antioxidante potente, ajudando a prevenir o stress oxidativo que está na base dos problemas citados anteriormente.
Argumentos contra:
  • Estão correlacionados com aumentos dos níveis de homocisteína, tida como um indicador no aumento do risco de doenças cardiovasculares.
Conclusão:
Mais um vez encontramos argumentos que se contradizem, uns dizem que os ácidos clorogénicos reduzem o risco de Diabetes tipo II e têm um efeito antioxidante potente que previne o stress oxidativo, outros dizem o contrário, que aumenta um dos indicadores deste mesmo stress oxidativo.
De notar que os argumentos contra baseiam-se em estudos feitos em pacientes com Diabetes tipo II, o que me faz pensar que pessoas com uma alimentação e um estilo de vida saudável podem benefeciar destas substâncias sem estas contra-indicações.
Os sujeitos de estudo são indivíduos com problemas e condições que não nos deixam tirar uma conclusão imparcial acerca das vantagens do café e dos seus constituintes para a nossa saúde.
Ácidos clorogénicos? Possivelmente uma boa adição à nossa saúde.
Fitoestrogénios
São compostos vegetais cuja semelhança a nível molecular com a hormona estrogénio permite a estes imitar e até actuar como sua antagonista no nosso organismo, ligando-se aos seus recetores.
Nas plantas actuam como uma defesa natural contra os herbívoros, controlando a sua fertilidade de forma a reduzi-la e diminuir os números destas espécies.
Impressionante não é? A natureza desenvolveu armas biológicas nas plantas que lhes permite controlar e reduzir a natalidade dos animais que as comem...
O café e o chá possuem em média 20mcg por cada 100g, o que o torna uma possível fonte destes fitoestrogénios. A cerveja possui 71mcg por cada 100g.
Argumentos pró:

  • São creditados por terem um papel positivo na regulação dos níveis de colesterol e na manutenção da densidade óssea na pós menopausa, bem como aliviar os sintomas da menopausa, 
  • Acredita-se também terem efeitos benéficos na prevenção de alguns cancros, doenças cardiovasculares, osteoporose e doenças neuro-degenerativas,  
  • Os fitoestrogénios são bons agentes antioxidantes e combatem os processos inflamatórios, têm também o potencial de afetar vários mecanismos de sinalização intracelular importantes para a regulação do crescimento e protecção das células.
Argumentos contra: 
Tidos como perturbadores do sistema endócrino (sistema que produz as hormonas), alterando a estrutura e função deste, acredita-se que podem causar efeitos adversos, entre os quais o desequilíbrio ou interrupção de:
  • Níveis hormonais endógenos,
  • Ciclo de ovulação, 
  • Período de lactação (produção de leite nas mulheres), 
  • Inicio e duração da puberdade, 
  • Capacidade de reprodução e diminuição da fertilidade, 
  • Alteração do comportamento sexual (desinteresse),
  • Alguns estudos também apontam para o aumento do risco de contrair cancro da mama.
Conclusão:
Os fitoestrogénios são benéficos ou nocivos?
A resposta é complexa e pode depender da idade, estado geral de saúde, consumo de álcool, hábitos alimentares, niveis de consumo dos fitoestrogénios e até da composição da flora intestinal de cada pessoa.
A maior parte dos fitoestrogénios estudados são as isoflavonas presentes na soja e seus derivados e muitos destes estudos foram feitos em animais e não em ser humanos. Poucos ou nenhuns estudos foram feitos que analisem o impacto dos fitoestrogénios específicos do café, é possível que estes efeitos de alteração do sistema endócrino sejam positivos em mulheres pós menopausa (que já não produzem estrogénio e outras hormonas) e nocivos em jovens, talvez em quantidades excessivas (por determinar).
Parece que os seus efeitos antioxidantes e anti-inflamatórios ajudam a prevenir alguns cancros, mas dependendo da quantidade podem ou não aumentar o risco do cancro da mama, especificamente.
Os estudos são ambíguos e não dão certezas quanto a estes compostos
Diterpenos
São substâncias naturais bastante comuns nas plantas.
No café destacam-se o cafestol e o caveol/kahweol.
O teor de cafestol e kahweol na bebida varia em função do modo de preparo, ou seja, da técnica culinária de preparação da bebida. O café filtrado e o instantâneo contêm níveis baixos (0,1 a 0,2mg/chávena), outros tipos de café podem atingir entre os 6 a 12mg/chávena.
Argumentos pró:

  • Mais uma vez são de frisar as propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias destes compostos, que lhe atribuem um efeito protetor nas doenças cardiovasculares, cancerígenas e neuro-degenerativas, 
  • São também atribuídos efeitos protetores, especificamente do fígado, a estes diterpinos.
Argumentos contra:
  • A possibilidade de elevação das Lipoproteínas LDL e VLDL mediante a ingestão de cafestol e kahweol tem sido discutida em diversos estudos publicados, principalmente do cafestol, 
  • Acredita-se que os diterpenos aumentam a quantidade de colesterol circulante no sangue, o que pode estar correlacionado com o aumento de risco de contrair doenças cardiovasculares.
Conclusão:
Mais uma vez temos testes conflituosos que por um lado parecem apontar para um aumento das lipoproteínas potencialmente perigosas no sangue e ao mesmo tempo efeitos antioxidantes que evitam que essas mesmas lipoproteínas oxidem e formem ateromas e consequentes problemas cardiovasculares. 

De facto  são necessários mais estudos para que se possa conhecer como o cafestol afeta a composição, a síntese e a degradação das lipoproteínas e como é transportado no plasma e metabolizado no fígado.
De relembrar também que em indivíduos que seguem um estilo de vida saudável (alimentação e exercício) este aumento do colesterol não será causa de alarme, pois como já vimos em Posts anteriores, são os carboidratos de alta carga glicémica e as comidas processadas os culpados por estas doenças.
Parece que em quantidades moderadas os benefícios ultrapassam os efeitos nocivos.
Sumarizando
A composição do café e sua repercussão sobre a saúde humana, nomeadamente sobre as doenças cardiovasculares, vem sendo objeto de muitos estudos, cujos resultados são conflituosos.
Tal facto deve-se, provavelmente, à presença de substâncias com efeitos antagónicos em potencial, ou seja, ao mesmo tempo antioxidantes e com potencial para a elevação do colesterol sérico e para o aumento agudo da pressão arterial sistémica.
São necessários mais estudos experimentais, clínicos e epidemiológicos (ciência da saúde coletiva que estuda a relação de causa-efeito, ou saúde-doença) para determinar o efeito que prevalece em diferentes contextos.
No momento, a tendência é considerar o consumo moderado da bebida como inócuo ou com efeito modesto sobre o risco cardiovascular, senão protetor, traduzindo-se em uma prática benéfica para a saúde humana.
Temos também que observar que a maior parte das pessoas toma esta bebida como um substituto da sua própria vitalidade e energia.
É óbvio que:

  • Se não damos o combustível recomendado para a nossa máquina trabalhar (alimentação saudável), 
  • Se não desenferrujamos e fortalecemos a nossa ferramenta (exercício físico)  
  • Se não descansamos o suficiente (sono de qualidade em quantidade),
Passaremos uma vida sem saúde e sem energia...literalmente a arrastarmo-nos no dia-a-dia...a existir em vez de viver...
Nestas condições as pessoas procuram o café para lhes dar uma energia que deviam primeiro cultivar nelas.
Esta energia é dada por uma droga chamada cafeína, que causa habituação e consequente aumento das doses para o mesmo efeito desejado, com 2 pacotes de açúcar em cima para retirar o sabor amargo ou ácido que lhe é característico (são compostos que na natureza servem para afastar os bichos e insectos que comem as folhas e grãos destas plantas). Obviamente que nestas condições o café não pode ser saudável.
Não precisamos de café, precisamos de ganhar disciplina mental e física, algum espírito de sacrifício e começar a respeitar o nosso corpo e saúde, em vez de depender de químicos para nos anestesiar e energizar nesta curta viagem a que chamamos vida.
Quando discuto aqui o uso do café e dos seus potenciais efeitos na saúde, refiro-me a pessoas que levam um estilo de vida saudável e que querem adicionar este composto de forma equilibrada na sua vida. Seja para fazer uma sessão de treino mais intensa, uma maior concentração no estudo para os exames que ai vêm, ou uma noite sem dormir no trabalho, o café e em especial a cafeína podem ser um bom complemento.
Mas lembrem-se que a cafeína em particular aumenta a nossa produção de excitantes naturais como a adrenalina e isso faz-nos estar a 110% mentalmente e fisicamente, em modo de ''fight or flight'', lutar ou fugir...é obvio que não podemos querer estar a 110% o dia inteiro, todos os dias.
Então porquê beber café o dia inteiro, todos os dias e aumentar a sua dose para estar sempre aceso?
O corpo não pode operar nestas condições e nestes termos a cafeína e por extensão o café nunca poderá ser um hábito saudável a não ser que levado de forma moderada e descontinuada!
Ficam aqui alguns sites nos quais baseei a minha pesquisa:

A importância de um sono/descanso adequado

A maior parte das pessoas não tem noção do quanto o descanso/sono de qualidade é importante para a nossa saúde e bem-estar...A sério, não temos mesmo noção.
Todos sabemos que se não dormirmos não somos produtivos e não andamos de bom humor, daí inferimos que dormir é importante, mas não percebemos o quão importante é.
Dormir em qualidade e quantidade é ainda mais importante que a nutrição, e normalmente nós abordamos este assunto ao contrário e pensamos que o exercício está primeiro e só depois vem o resto. 

Sem descanso e nutrição, podem ter o esquema de treino, suplementação e fármacos entregues na vossa mão pelo Deus do exercício, que não terão resultados.
Mas vamos-nos concentrar no descanso e deixar as outras variáveis de lado.
Efeitos e funções do descanso/sono no desempenho muscular e físico:
  • O descanso/sono (adequado) é essencial para o organismo poder desempenhar as suas funções orgânicas, celulares e sistémicas. A maior parte das pessoas ainda vive na ilusão de que o exercício físico constrói massa muscular...quando na realidade ele provoca um rompimento das proteínas que formam as fibras musculares e desta destruição resulta uma adaptação onde os músculos ficam reforçados e mais resistentes,
  • Quando dormimos o corpo entra num estado anabólico e usando a matéria prima absorvida dos alimentos (proteínas, lípidos e carboidratos) ele consegue, no seu período de descanso (sono de qualidade), reparar e rejuvenescer os tecidos musculares e nervosos, construindo assim um físico mais forte (aumento da massa muscular, entre outras coisas), 
  • É portanto o descanso que nos faz preservar e aumentar a massa muscular, durante o repouso o corpo tem oportunidade de concentrar os seus esforços na reconstrução de tecido, 
  • Esta reconstrução representa uma actividade de intensidade 1 (ligeira) e por esse motivo a fonte de energia mais utilizada são as gorduras (sistema oxidativo) Já repararam que após uma boa noite de descanso acordamos mais definidos do que quando nos deitamos?
  • É nesta altura que se dá o pico de produção de algumas hormonas entre as quais a hormona de crescimento, resultando num duplo efeito de reparação, crescimento e utilização de gordura como fonte de energia que esta hormona promove,  
  • Quanto mais intensos forem os treinos, maior a necessidade de reparação, mais energia é gasta para essa reparação acontecer (EPOC) e mais gordura queimamos neste processo (no descanso pós-treino).
O descanso adequado oferece o melhor de 2 mundos, o aumento da massa muscular e a queima de gordura como energia para concretizar esta reconstrução.
Na ausência de um sono adequado a saúde pode ser prejudicada e observar-se a alteração de:

  • Comportamentos alimentares, 
  • Mecanismo de regulação da glucose,  
  • Tensão arterial,  
  • Processos cognitivos,  
  • Equilíbrio/produção hormonal.
Entre o desequilíbrio hormonal é de sublinhar:
  • Aumento do cortisol,
  • Redução da testoesterona e da IGF-1 (insulin growth factor 1/factor de crescimento semelhante à insulina tipo 1).
Da alteração destas hormonas resulta, entre outras coisas, uma diminuição do anabolismo (síntese proteica) e um aumento do catabolismo (degradação proteica) que resulta na perda de massa muscular, inibição de crescimento muscular seguido ao exercício físico, lesões e atrofia muscular, consequências também associadas a enfermidades e doenças. Vamos ver o papel de cada uma destas hormonas:
  • O cortisol é uma hormona envolvida na resposta ao stress. Perante situações de emergência aumenta a pressão arterial e o açúcar no sangue, fornecendo energia aos músculos. Durante este processo as funções anabólicas de recuperação, renovação e criação de tecidos são paralisadas e o organismo utiliza a degradação proteica para obter energia (catabolismo),   
  • A testoesterona é uma hormona fundamental para o desenvolvimento dos tecidos reprodutores masculinos e na promoção de características sexuais secundárias, como o aumento da massa muscular, massa óssea e o crescimento de pêlos no corpo. A testosterona é essencial para a saúde e bem-estar e na prevenção de osteoporose, 
  • O IGF-1 é uma proteína produzida no fígado com papel importante no crescimento, e no desenvolvimento da musculatura. Aumenta os níveis de glicose no sangue, reduz os níveis de gordura corporal, altera a oxidação lipídica (queima de gordura) e aumenta a síntese de proteínas (anabolismo),  
  • A Hormona de crescimento estimula o crescimento, a produção de IGF-1, a reprodução e regeneração celular através do aumento da síntese proteica. Estimula também uma menor utilização de glicose pelas células para produção de energia, aumentando assim a utilização da gordura, ocorrendo uma maior mobilização de ácidos gordos dos tecidos adiposos para que os mesmos sejam utilizados pelas células. Dá-se também, um aumento da quantidade de proteínas nos tecidos e como consequência deste aumento e de um maior armazenamento de glicogénio no interior das células, estas aumentam em volume e número, observando-se um aumento no tamanho de quase todos os tecidos e órgãos do nosso corpo.
Acho que dá para perceber a importância de um sono/descanso adequado.
Se vocês treinam e não estão a ter os resultados que queriam, seja definição ou volume muscular e até recuperação que vos permita dar o 110% no próximo treino, confiram se andam a cumprir com o vosso descanso.
Dormir bem ajuda a emagrecer, ou melhor, ajuda a queimar gordura e optimiza todos os outros factores que englobam uma boa saúde (nutrição, exercício físico, bem estar, etc), portanto priorizem o vosso descanso e dêem a oportunidade ao vosso corpo de fazer a sua parte.
Para ficarmos mais por dentro do assunto vamos observar algumas variáveis que afectam, condicionam e limitam a qualidade do nosso descanso:
Ciclos de sono

esta ideia está muito em voga e até foram criadas aplicações no telemóvel para nos dizerem as horas exatas a que devemos acordar de forma a optimizar o nosso sono e descanso, mas como vamos ver as coisas não são tão ''preto no branco'' e estas aplicações pouco nos podem oferecer além de um efeito placebo.
O sono divide-se em dois tipos:

  • REM (rapid-eye-movement) - que significa movimento rápido dos olhos, é nesta parte do sono em que sonhamos (sono activo). Ao usarmos um eletroencefalograma (EEG) para analisar as fases de sono detetamos que o REM é caracterizado por ondas de pequena amplitude e alta frequência, bem como movimentos dos olhos. Pessoas acordadas nesta fase do sono recordam-se dos sonhos que são descritos como bastante realistas e por vezes bizarros. Nesta fase os braços e as pernas são temporariamente paralisados. 
  • NREM (non-rapid-eye-movement) - ausência do movimento rápido dos olhos, esta fase é composta por 3 períodos distintos, que vão da N1 à N3. Nesta progressão a actividade cerebral abranda e os olhos não se mexem, entrando num sono profundo cujas ondas são de grande amplitude e baixa frequência. Quando acordamos nesta fase raramente nos lembramos do que sonhamos.
Numa noite normal de um adulto saudável o processo é este:
  • Entramos no NREM no período N1, o primeiro estágio do sono onde estamos meio a dormir, meio acordados, tipicamente abrandamos o movimento dos olhos e ''marcamos golos de cabeça'', esta fase pode demorar de segundos a alguns minutos,  
  • O período N2 vem a seguir e pode durar de 10 a 25 minutos, é um sono mais profundo que o N1 e portanto mais difícil de acordar dele,  
  • Progressivamente entramos no N3 que pode durar de 20 a 40 minutos, é a fase mais profunda do sono,  
  • Após o N3 o caminho retrocede e passamos à N2, seguido da N1 que já dá entrada no REM. Este caminho reverso é mais rápido que o normal (5 a 10 minutos),  
  • Após o REM tudo se volta a repetir e uma boa noite de sono é composta de 4 ou 5 ciclos completos,  
  • A fase NREM é mais longa na primeira metade da noite, diminui progressivamente e pode ser quase inexistente nos últimos ciclos,  
  • A fase REM tem maior duração na segunda metade da noite, podendo durar de 1 a 5 minutos nos primeiros ciclos, aumentando progressivamente nos últimos,  
  • Um ciclo de sono completo pode variar de 70 a 120 minutos.
As supostas aplicação fazem uma média e partem do principio que o ciclo de sono dura aproximadamente 90 minutos, para depois calcularem a hora a que a pessoa deve acordar, de forma a calhar na fase REM (menos profunda e portanto menos suscetível de nos deixar moles e atordoados).
No entanto os ciclos são incertos e basta uma variação de 10 minutos para estarmos numa fase mais profunda e portanto mais difícil de acordar.
Para alguns 7h é o ideal, para outros 8h é o óptimo, cada pessoa tem o seu metabolismo e a sua maneira de funcionar, não adianta prever a ''hora certa'' de acordar.
Criem o vosso ritmo (o corpo funciona bem com rotinas), deitem-se à mesma hora, aproximadamente 7-8h antes da hora que têm de acordar e já vão com meio caminho andado para os ciclos baterem certo.
Experimentem e vejam o que funciona melhor com vocês.
Ritmo Circadiano
Designa o período de aproximadamente 24 horas sobre o qual se baseia o ciclo biológico de quase todos os seres vivos, sendo influenciado principalmente pela variação de luz, temperatura, marés e ventos entre o dia e a noite. O ritmo circadiano regula todos os ritmos materiais bem como muitos dos ritmos psicológicos do corpo humano, com influência sobre a digestão, o estado de vigília/sono, a renovação das células e o controle da temperatura do organismo.

Ou seja, temos dentro de nós um relógio biológico que regula a nossa hora de dormir e a sua duração (entre outros), baseado primariamente na luz solar, mas também noutros factores como a temperatura, etc. Não é de espantar então que após milhões de anos de evolução passados a dormir no período noturno, nos seja nocivo fazer ''uma direta'' ou trocar turnos, por exemplo. 
Perturbações no Ciclo Circadiano:
  • Animais que são forçados a comer durante o seu período normal de descanso mostram aumento da massa corporal (engordam), 
  • Os seres humanos que trabalham por turnos têm tendência a ter horários de refeição irregulares associados a alterações na sensibilidade da libertação da insulina e aumento de peso, estando também associados a aumento do risco de hipertensão, processos gerais de inflamação e doenças cardiovasculares.
Independentemente de haver pessoas (exceções) que se sintem mais despertas ou produtivas no período noturno, isso não significa que uma perturbação no ciclo circadiano não tenha consequências negativas na nossa saúde, por vezes sentidas apenas no médio-longo prazo.
Falando por experiência própria, já faço turnos há mais de 10 anos e embora na altura não me fizesse confusão e conseguisse dormir uma dia inteiro até as 20h, hoje vejo as suas consequências.

O meu ritmo está completamente alterado e não consigo dormir mais de 6h seguidas, muitas vezes tenho de acordar e só passado uma ou duas horas consigo pegar outra vez no sono, o que muitas vezes não é compatível com os meus horários laborais e acaba por prejudicar não só a minha saúde como a minha prestação profissional, o meu humor, entre outras coisas (má qualidade de vida).
Se tiverem oportunidade de não fazerem turnos, evitem.
Se fizerem turnos noturnos estabeleçam a vossa própria rotina:

  • Planeiem as horas de refeição, 
  • Façam refeições de 3 em 3 horas não em quantidade mas em qualidade,  
  • Tentem dormir imediatamente após o final do turno.
Homeostase Sono-vigília
Homeostase, no geral, é a condição de relativa estabilidade da qual o organismo necessita para realizar as suas funções de forma adequada, de modo a manter uma condição estável.
Mediante múltiplos ajustes de equilíbrio dinâmico, controlados por mecanismos de regulação química, este mantém propriedades do nosso corpo como a temperatura, acidez, etc. 

O equilíbrio Sono-Vigília é um tipo de cronómetro interno que origina uma necessidade/impulso/vontade de dormir que funciona em função do tempo que passou desde a última vez que tivemos um descanso adequado:
  • Quanto mais tempo nos mantemos acordados, maior o desejo e necessidade de dormir e maior a probabilidade de adormecermos, 
  • Quanto mais tempo dormirmos menor a pressão para voltarmos a dormir e maior a probabilidade de nos mantermos despertos/acordados.
Hormonas endógenas parecem regular este processo, acumulando-se no cérebro durante o tempo que passamos acordados, resultando num aumento da pressão para dormir, pressão que é libertada através do próprio acto de dormir.
Entre estas hormonas a Adenosina é a mais referenciada, inibindo muitos dos processos associados ao estado de vigília, particularmente o das Catecolaminas (Norepinefrina, Serotonina, Dopamina e Adrenalina), precisamente aquelas que a cafeína estimula.
Isto está correlacionado com a atividade física da seguinte maneira:

  • Ao gastarmos energia esgotamos as nossas reservas de ATP (Trifosfato de Adenosina), acumulando adenosina,
  • Quanto mais energia gastarmos ao longo do dia maior acumulação desta hormona libertada do ATP e maior o desejo de dormir, de forma a repor estas reservas,
  • Ao dormirmos é removida a concentração de adenosina, que é substituída por reservas de glicogénio, que por sua vez é gasto nas atividades físicas.
Como vimos no Post ''Café...posso beber?'' a cafeína, entre outros estimulantes, é inibidora da hormona adenosina.
Conclusão
Os padrões de sono podem ser afetados por vários fatores incluindo:

  • A idade, 
  • A quantidade de sono ou tempo acordados que tivemos recentemente (homeostase sono-vigília),  
  • A hora do dia ou noite relativamente ao nosso relógio interno (ritmo circadiano),  
  • Comportamentos que ocorreram antes de nos deitarmos como o exercício e o stress,  
  • Condições ambientais como a temperatura e luz,  
  • Químicos que tenhamos ingerido (como a cafeína).
O histórico de sono (quantidade e qualidade do descanso recente) pode também ter efeitos dramáticos no padrão de sono:


  • Falhar repetidamente uma noite sono (direta), 
  • Um descanso irregular (troca de turnos),  
  • A perturbação frequente do sono (dormir de dia),  
  • Estes fatores sobrepõe-se e podem por vezes entrar em conflito, resultando numa redistribuição dos ciclos de sono diferente do habitual.
Um bom exemplo disto são as sestas tiradas a meio da tarde.
Se forem curtas podem revitalizar e dar energia, mas se forem prolongadas (mais de 30 minutos) podem prejudicar o padrão de sono, ou seja, podem chegar à noite e não conseguir dormir.
O corpo regula estes vários fatores/variáveis através da produção e libertação de algumas enzimas e hormonas, nomeadamente a melatonina, que actua como mediadora entre estes vários ritmos e ciclos.

No fundo é preciso algum planeamento e responsabilidade quando a nossa vida não é rotineira ( das ''9 às 5''), pois uma coisa tão natural como dormir pode-se tornar num verdadeiro problema ao interferirmos com estas variáveis ou na presença de stress e problemas, formando um efeito bola de neve e uma espiral negativa difícil de sair e onde a nossa qualidade de vida pode ser severamente afetada.
Para as pessoas que treinam e que pensam que dormem relativamente bem, revejam melhor o vosso descanso se acharem que não estão a ter os resultados físicos que almejavam...muitas pessoas querem dar demais de si e concretizar objetivos para ontem, negligenciando um factor chave no crescimento e definição muscular...o repouso e o sono...

Lembrem-se que fazer muito tem que ser sinónimo de descansar muito, se pretendem resultados sustentáveis.
Para terminar, vamos resumir algumas práticas que ajudam a garantir um sono de qualidade:

  • Não falhar noites de sono (não fazer diretas), 
  • Tentar criar uma rotina ou hábito (levantar e deitar à mesma hora),  
  • Não exagerar nas sestas,  
  • Não ingerir químicos suscetíveis de nos despertar perto das horas de descanso (cafeína, etc...),  
  • Não fazer exercício físico intenso perto das horas de descanso (zona de intensidade 4 e 5),  
  • Procurem um sitio sem luz (escuro), silencioso e ligeiramente frio para dormirem,  
  • Evitem mexer em aparelho tecnológicos (telemóveis, pc's, i-pad/pod, etc) imediatamente antes de dormir ou terem atividades que estimulem o intelecto,  
  • Deixem os problemas do trabalho ou os dramas da vida social num cantinho da vossa mente onde não vos incomodem nas próximas horas, ou seja, relaxem,  
  • Tentem levar uma vida tranquila e harmoniosa com o mínimo stress possível ou atritos emocionais (maturidade, yoga, meditação, felicidade, equilíbrio, racionalização, pragmatismo, desapego, o que funcionar na vossa mente...).