CLA...vale a pena?

O ácido linoleico é um ácido gordo insaturado pertencente à categoria dos Ómega-6, é bastante comum e encontrado em grandes quantidades no óleos vegetais.
O CLA (Ácido linoleico conjugado) difere do ácido linoleico normal devido à sua configuração química, a qual contém configurações cis e trans no seus elos, daí a palavra conjugado,
Existem 28 formas diferentes de CLA e a diferença entre elas tem a ver com a localização das configurações cis e trans nas suas cadeias.
Contendo também configurações trans, tecnicamente o CLA pode também ser considerado uma gordura trans. Quem me acompanha neste blog sabe que estas, de uma forma geral, são um veneno para a nossa saúde pois
não são metabolizadas pelo nosso organismo, ficando indefinidamente depositadas e sujeitas à oxidação pelos radicais livres, entre outras coisas, gerando problemas relacionadas com os processos inflamatórios (cancro, doenças cardíacas, etc).
Mas o CLA é uma exceção...
Este tipo de gordura trans faz parte das exceções que se encontram na natureza, principalmente na carne e produtos lácteos de ruminantes (vacas, cabras, ovelhas, etc), mas também existe no cogumelo branco (Agaricus bisporus). O corpo humano também produz quantidades mínimas de CLA, através da fermentação do ácido linoleico.
Para perceberem a diferença entre gordura saturada e insaturada, bem como a diferença entre configurações cis e trans, podem rever os Posts:
Supostas vantagens e benefícios do CLA (segundo as empresas de suplementação):
  • Diminuição da gordura corporal, 
  • Promove o aumento de massa muscular,  
  • Aumento do metabolismo,  
  • Diminuição dos níveis de colesterol,  
  • Regulação da glicémia (açúcar no sangue),  
  • Ataca as células cancerígenas, prevenindo o seu desenvolvimento,  
  • Posível efeito efeito positivo no tratamento de diabetes, ativando um conjunto de recetores que são capazes de aumentar a sensibilidade à insulina,  
  • Fortalecimento do sistema imunitário,  
  • Possui actividade antioxidante e anti-inflamatória.
É muita coisa boa não é? Parece que o CLA é uma verdadeira fonte da juventude, mas como quase tudo na vida, quando algo parece bom demais...normalmente não é.
O que os testes clínicos dizem do CLA:
  • Existem 28 formas diferentes de CLA e esta diferença prende-se com a localização das configurações cis e trans nas suas cadeias, 
  • Destas 28 apenas 2 têm atividade biológica no nosso corpo, as restantes sofrem processos que alteram a sua estrutura química e as mesmas perdem as suas propriedades.
As formas de CLA (daqui em diante designadas de isómeros por apresentarem a mesma fórmula molecular mas diferente fórmula estrutural) que mantêm atividade no organismo depois de absorvidos são:
  • O ''9cis, 11trans'', predominante nos animais (ruminantes) e seus derivados, 
  • O ''10trans, 12cis'', do qual os suplementos são compostos.
A sua diferença é microscópica, no entanto ela tem um impacto enorme na forma como são processadas pelo organismo e nas reacções que provocam nas nossas células.
''9cis, 11trans''
  • Este isómero está associado a alguns benefícios a nível dos neurónios além de poder ter um potencial efeito protector dos mesmos, 
  • Está associado ao aumento da sensibilidade da insulina e controlo da glucose, bem como melhorias nos marcadores lipídicos (Lipoproteínas), possivelmente pela sua relação com o aumento da sensibilidade à insulina,  
  • Não está associado ao aumento da massa magra, à diminuição da massa gorda ou da inflamação,  
  • Em teste animais tem demonstrado reduzir a ocorrência de obesidade induzida por dieta, demonstrando por isso ser anti-diabético,  
  • É considerado natural por se encontrar em grandes concentrações nas fontes alimentares.
Apesar de saudável não está significativamente associado ao efeito de queima de gordura.
''10trans, 12cis''
  • Este isómero aparenta ser mais potente ou diretamente ligado às mudanças na composição de massa gorda, bem como ao aumento/diminuição da resistência/sensibilidade à insulina, 
  • Existem estudos que implicam que este é o isómero ativo no aumento de capacidade de resistência dos ratos (no exercício de corrida), devido ao uso de ácidos gordos para criar energia, o que cria uma preservação das reservas de glicogénio,  
  • Benefícios da saúde óssea e metabolismo muscular são atribuídos a este isómero,  
  • Nos testes em ratos parece beneficiar a massa muscular (mais do que o outro isómero), no entanto, a mistura dos dois isómeros parece ser a melhor combinação devido a um efeito sinérgico.
Semelhanças e efeito sinérgico:
  • Os dois isómeros são creditados por terem expressão anti-oxidante e quando combinados, um efeito anti-inflamatório, 
  • Num estudo de comparação entre isómeros verificou-se que o ''10trans, 12cis'' tem maior afinidade para ser armazenado nos triglicerídeos do tecido adiposo (massa gorda) e o ''9cis, 11trans'' nos músculos,  
  • Quando os dois isómeros são tomados em conjunto são moduladores que ativam o PPARa (receptor ativador da proliferação peroxissomal alfa), sobretudo no fígado, reduzindo os efeitos dos lípidos e queimando alguma gordura corporal no processo,  
Os dois isómeros são ativadores/inibidores do PPARy (receptor ativador da proliferação peroxissomal ípsilon), envolvida no processo de diferenciação (divisão) das células adiposas, moderando os seus recetores e regulando a distribuição da gordura corporal, mas de forma inversa:
  • O isómero ''10trans, 12cis'' inibe a função do PPARy, impedindo a acumulação de triglicerídeos nas mesmas, diminuindo a massa gorda e aumentando a massa magra, mas reduzindo a sensibilidade à insulina (aumentando a resistência) que é um efeito pró-diabético, 
  • O isómero ''9cis, 11trans'' parece ativar a função do PPARy, que apesar de ser obesogénico (contribuir para o ganho de peso), também protege da diabetes (aumenta a sensibilidade à insulina/previne a resistência),
A mistura dos dois suaviza o impacto isolado dos mesmos.
Influência no metabolismo lipídico:
  • Triglicerídeos, 2.2g de CLA (1g de cada isómero) administrados num teste elevaram os valores de triglicerídeos no sangue após 3 semanas, mantendo-se por mais 2 semanas após o final da suplementação, 
  • Colesterol, 2.2g de CLA (1g de cada isómero) administrados num teste não influenciaram significativamente as concentrações de HDL, LDL e VLDL após 3 semanas de suplementação.
Sensibilidade/resistência à insulina
  • Alguns dos dados dos testes apontam para a irrelevância ou inércia do CLA no que diz respeito à sensibilidade/resistência da insulina, no entanto, outros dados sugerem aumento da resistência e quando isto acontece a significância clínica destes não é confiável mas potencialmente preocupante, 
  • Este aumento da resistência parece ocorrer quando tomado em conjunto com carboidratos, sendo possível que o CLA induza mudanças a curto prazo neste aspeto que serão reversíveis após a cessação da toma.
Gordura no fígado
  • Estudos humanos que investigam a acumulação de gordura no fígado (esteatose hepática) não demonstraram os mesmos resultados que os testes em animais, concluindo que os seres humanos são menos afetados pelo CLA, no que diz respeito a esta condição.
Interacções com massa gorda
  • O CLA é tido como redutor de gordura através da supressão da acção de enzimas lipogénicas, bem como a inibição da lipase lipoproteica, tudo efeitos que resultam da inibição da PPARy por parte do isómero ''10trans, 12cis''. Pensa-se que este isómero é também responsável pelo aumento do gasto energético através de um aumento da Carnitina e do uso de gorduras, 
  • Estudos ''in vitro'' notam consistentemente uma habilidade para libertar glicerol das células adiposas, indicativa de aumento da libertação de gordura dos triglicerídeos e consequente queima.
Diferenças entre espécies
  • Os resultados entre diferentes espécies são significativos, havendo resultados melhores e mais consistentes na perda de gordura derivada da suplementação de CLA nas espécies animais, 
  • Isto pode ser derivado da melhor resposta à ativação do PPARa por parte dos animais,  
  • A extrapolação dos resultados dos testes animais para a espécie humana não parece ser válida na procura de significância clínica ou da potência do CLA.
Taxa metabólica
  • Alguns estudos notam um aumento na taxa metabólica, não havendo no entanto consistência que permita afirmar que o CLA aumente ou diminua a taxa metabólica.
Estudos interventivos
  • São estudos feitos com um grupo de pacientes com características totalmente controladas pelo investigador, 
  • Demonstraram estatisticamente uma redução significativa de gordura, a mais dramática consistiu na perda de 1,13kg ao longo 4 meses,  
  • O CLA pode ter a habilidade de queimar gordura mas a sua significância clínica não é fiável nem potente,  
  • Foram conduzidos mais estudos que não reportaram perda de gordura estatisticamente significativa do que os que demonstraram o contrário, sem motivos ou pistas comuns que separem os estudos com resultados positivos dos de resultados nulos,  
  • Testes humanos não identificam o CLA como um bom queimador de gordura em comparação com outras opções. Este não aparenta reagir a diferentes dosagens, tem uma influência questionável nos parâmetros do metabolismo dos lípidos e glucose, não é potente nem fiável.
Apetite:
  • Os estudos humanos que investigaram a interferência do CLA no apetite tiveram resultados mistos.
Pressão arterial:
  • Não há evidências estatísticas que demonstrem uma relação entre a pressão sanguínea e o CLA.
Inflamação e sistema imunitário:
  • O isómero ''10trans, 12cis'' aparenta ser pró-inflamatório, através da inibição da PPARy nas células adiposas, o efeito cumulativo é a maior inflamação e menor absorção de glucose e gordura nestas células.
Conclusão:
Os benefícios proclamados pela indústria de suplementação, que tem interesse em vender os seus produtos, baseiam as suas afirmações em testes muitas vezes feitos em animais e dos quais não se podem extrapolar resultados para o uso humano, pois cada espécie reage de maneira diferente.
Os benefícios que se prendem com a alteração da composição de massa, queima e diminuição da gordura, ou o aumento de massa magra (muscular), são observados em alguns testes mas não num número suficiente para sugerir uma consistência estatística significativa por parte deste suplemento.
Os resultados que têm consistência estatística não são potentes o suficiente para sugerir o CLA como um suplemento válido para o fim a que se propõe (uma média de menos de 1,5kg em 4 meses).
No entanto o próprio mecanismo pelo qual se dá está perda de gordura transmite alguma preocupação:

  • O isómero ''10trans, 12cis'' (que compõe os suplementos), é assimilado nos triglicerídeos das células adiposas e inibe o PPARy, não permitindo a divisão das células adiposas, 
  • Menos células adiposas, menor capacidade de assimilação de glucose e ácidos gordos,  
  • Estes ao não serem assimilados percorrem a corrente sanguínea à espera de um destino e o corpo que entretanto libertou insulina para remover a glucose é obrigado a libertar mais insulina para tentar removê-la novamente,  
  • Daqui resulta uma perda de sensibilidade, ou resistência à insulina, que é uma das condições que antecedem a diabetes e que consiste no corpo ter que libertar progressivamente mais insulina para remover a mesma quantidade de glucose no sangue, 
  • Daqui resulta que a relativa perda de gordura induzida pela toma do CLA é feita à custa de um mecanismo pró-diabético que pode ser prejudicial com o desenrolar do tempo.
Não deixar a glucose (açúcar) e os ácidos gordos (gordura) entrarem no tecido adiposo, ficando estesa circular livremente na corrente sanguínea é uma estratégia de perda de gordura sem sentido que só mesmo a indústria de suplementação poderia publicitar.
Resumindo, o CLA é uma boa molécula de pesquisa especialmente no que diz respeito à modulação do PPARa/PPARy, mas como queimador de gordura é pouco potente e ainda menos fiável, não havendo consistência nos resultados. Não existem outros efeitos comprovados em relação a outros benefícios na saúde.
O isómero ''9cis, 11trans'' que está presente na natureza não tem os efeitos desejados na queima de gordura e aumento de massa magra mas contribui para o aumento da sensibilização da insulina, factor positivo e anti obesogénico.
É de se salientar que o conteúdo total de CLA na carne dos ruminantes está diretamente ligado à sua alimentação e condições de vida.Vacas alimentadas com erva possuem entre 300 a 500% mais de CLA do que vacas alimentadas com cereais.
Ou seja, produção industrial e tratamento não ético equivalem a menor quantidade e qualidade nutritiva da carne e derivados, entre os quais o CLA.
Para concluir resta referir que o CLA contido nos suplementos não vem de uma fonte animal mas sim do ácido linoleico dos óleos vegetais que são posteriormente alterados quimicamente, fonte barata e pouco ''natural/saudável''.