Treino de Endurance VS Treinos de Força (Zonas de Intensidade de Treinos)

No texto anterior colocámos algumas questões que iremos agora responder:
  • Porque é que eu preciso de saber o que são sistemas de energia e zonas de intensidade dos treinos?
  • Não posso só treinar e dar o meu máximo sempre? 
  • Para quê que eu preciso de variar entre treinos ligeiros e treinos ''puxados''? 
Para quem treina de vez em quando isto não é importante e desde que dêem um descanso de 48/72h entre treinos, tudo estará bem.Mas para quem treina com muita regularidade (todos os dias ou quase) seja um atleta amador ou um entusiasta, este conhecimento é de extrema importância porque estas pessoas treinam sempre na mesma zona, zona intermédia, pois se fosse de alta intensidade não aguentariam dias seguidos no mesmo registo.
Treinar sempre no meio termo desgasta o corpo sem que a gente repare, é isto que acontece aos atletas de endurance e aos que praticam desportos de combate ou coletivos, as lesões surgem com naturalidade causadas não pelo desporto em si, mas pela forma como o praticamos.
Daqui surge a necessidade de intercalar treinos mais ligeiros (zona 2) com treinos realmente pesados (zona 4/5) e só de vez em quando nos aventurarmos no meio termo (zona 3/4).
Como já falámos dos sistemas de energia podemos agora descrever as zonas de intensidade dos treinos, estas teorizam que para diferentes intensidades, diferentes sistema de energia serão utilizados predominantemente pelo corpo para o fornecimento da mesma. Ao quantificar e controlar a intensidade de um treino podemos, até certo ponto, escolher qual destes 3 sistemas de energia irá predominar durante o esforço físico.
Desta ideia nasce o conceito das diferentes zonas de intensidade do treino, tendo como base a frequência cardíaca.
Exemplifiquemos as 5 zonas de intensidade:
Vamos imaginar que é de manhã e eu estou em casa a passear de um lado para o outro, a falar ao telefone e a arrumar coisas como livros ou roupa...estarei na zona 1/2 onde dependo maioritariamente do sistema oxidativo (queimo gordura),
Passo a manhã inteira assim mas de hora em hora tiro 5 minutos para fazer uma elevações, flexões e uns burpees...muda para a zona 5 onde dependo do sistema glicolítico (queimo carbohidratos) e também do fosfagénico (queimo fosfato de creatina),
À tarde vou correr, aqueço com um passo moderado, faço uns intervalos mais intensos com umas subidas inclinadas ou uns sprints e volto ao passo moderado antes de terminar a corrida...estarei na zona 3 dependendo do sistema oxidativo/glicolítico, subo para a zona 4 (sistema glicolítico) quando faço os sprints e subidas inclinadas, e termino descendo para a zona 3/2 de volta ao sistema oxidativo/glicolítico.
Serviu este exemplo para percebermos o que acontece ao corpo, músculos e sistemas de fornecimento de energia quando nos encontramos em diferentes zonas de intensidade do exercício físico.
As 5 zonas de intensidade física:
Zona 1 (recuperação/reabilitação)
Nesta zona o sistema de energia predominante é o oxidativo e trabalhamos a 70-76% do limiar anaeróbico.
É uma intensidade ligeira que estimula a circulação sanguínea e que por sua vez ajuda a remover a inflamação e a recuperar de uma sessão de treino intensa.
Passear o cão é um bom exemplo de uma atividade de intensidade 1, para ser efetuada no dia seguinte ao de um treino extenuante.
Nunca ouviram dizer que no dia a seguir a um jogo de futebol os profissionais devem fazer uma corrida ligeira para acelerar a recuperação, em vez de ficarem parados ou sem treinar?
Está aí a explicação.

Zona 2 (endurance cardiovascular)
Nesta zona o sistema de energia predominante continua a ser o oxidativo e trabalhamos a 77-85% do limiar anaeróbico.
As fibras musculares primariamente recrutadas são as lentas/brancas que providenciam a maior parte da mobilidade para exercícios que durem mais do que 2 minutos.
Para quem tem como objetivo o endurance (competição em eventos que durem mais de 2h, maratonas e triatlos por exemplo) e não tem uma ocupação profissional fisicamente ativa, a maior parte dos treinos devem se situar nesta zona de modo a tornar mais eficiente o uso de gordura e oxigénio para produzir energia, conservando as reservas de glicogénio.
Isto é importante para os atletas de endurance que têm dificuldade em manter uma intensidade baixa nos seus treinos, o seu entusiasmo e dedicação leva-os a basearem a maior parte dos seus treinos longos na zona 3, o que reduz as suas reservas de glicogénio das fibras musculares rápidas/vermelhas, causando a sua fadiga e menor prestação nos treinos/esforços mais intensos, levando ao ''overtraining'' e consequentes lesões.

Zona 3 (resistência muscular)
Nesta zona o sistema de energia predominante ainda é o oxidativo mas já existe maior uso do glicolítico e trabalhamos a 86-95% do limiar anaeróbico.
Se tivermos a fazer uma corrida longa a um passo moderado ''entramos'' nesta zona quando encontramos uma subida levemente acentuada ou quando subimos um pouco o ritmo numa reta.
O corpo ainda está a funcionar primeiramente de forma aeróbica, a falta de fôlego é mínima e ainda é possível manter o diálogo.
Nesta zona já existe maior uso de carbohidratos como fonte de energia e se usada durante treinos muito extensos pode levar à fadiga sem que isso se traduza numa melhor performance.
Numa prova longa no entanto, esta é a zona onde conseguimos melhorar o nosso tempo sem esgotar significativamente a nossa energia e é aqui que se ganham as competições.
Mas não é aqui que se deve basear a maior parte dos treinos para as provas...percebem a diferença?
Para treinar especificamente esta parte e melhorar a performance nesta zona devem usar-se intervalos de treino (intervalos de 8 a 20 minutos com breves períodos de descanso entre eles) e não um treino longo contínuo (2 horas de corrida sem parar por exemplo).

Zona 4 (resistência muscular, tolerância ao ácido láctico, velocidade)
Nesta zona o sistema oscila entre o oxidativo e o glicolítico e trabalhamos a 96-103% do limiar anaeróbico.
Estamos no limiar anaeróbico, na intensidade máxima onde o nosso corpo consegue ''reciclar'' o ácido láctico tão rapidamente quanto é produzido.
Trabalhamos duramente mas ainda conseguimos manter a boa forma e um passo máximo sustentável porque os níveis de ácido láctico não se estão a acumular.
À medida que nos aproximamos do limiar Anaeróbico (100%) ou ultrapassamos este limite, acusamos fadiga e os músculos exigem um maior tempo de recuperação.

Fazer treinos intervalados nesta zona pode ser extremamente benéfico pois ensina o corpo a diminuir a quantidade de ácido láctico produzida e aumenta a quantidade reciclada, permitindo mais trabalho numa intensidade maior. Como estamos a trabalhar ''no duro'' mas não estamos no máximo, conseguimos recuperar mais rapidamente destas sessões de treino e tirar mais proveito das mesmas.
Intervalos aqui devem ter a duração de 1 a 7 minutos de atividade e de 20 segundos a 3 minutos de descanso.
Zona 5 (velocidade, força)
Nesta zona o sistema predominante é o glicolítico com participação do fosfagénico e trabalhamos a 104% do limiar anaeróbico ou acima.
O ácido láctico acumula-se rapidamente e esta intensidade não consegue ser sustentada por longos períodos.
Se houver, no entanto, alguma contribuição do sistema oxidativo é possível aguentar, durante 5 minutos, esforços nesta zona.
Os músculos e articulações requerem mais tempo de recuperação.
Estes treinos promovem o aumento da velocidade e melhoria do recrutamento neuromuscular.
Intervalos de 2 a 5 minutos devem ser utilizados com descansos de 40 segundos a 2 minutos.

Acima da zona 5 (explosão, potência, força)
Nesta zona o sistema predominante é o fosfagénico com contribuições do glicolítico e trabalhamos no máximo da nossa capacidade.
Desenvolve as fibras musculares rápidas/vermelhas responsáveis pela força e a explosão.
Típica de levantamentos de pesos, powerlifting e musculação, os intervalos devem ter de 5 segundos a 2 minutos de duração com mais de 2 minutos de descanso entre séries.

A ''zona cinzenta'' (junk mile)
Entre as zonas inferiores (1 e 2) e as zonas superiores (4 e 5) existe uma área intermédia apelidada de ''zona cinzenta'' (junk mile) e de uma forma geral é nela que a maior parte das pessoas que treinam endurance desenvolvem a sua atividade. Corresponde à zona 3 (e alguma parte do 4) onde não é claro qual o sistema de energia predominante.
Esta zona é uma espécie de ''terra de ninguém'' onde o esforço despendido excede o necessário, ou seja, não precisamos de ir além da zona 2 para treinarmos o nosso endurance.
Ao mesmo tempo esta ''zona cinzenta'' não é intensa o suficiente para desenvolver outras capacidades (velocidade, potência, força) que irão contribuir para a nossa performance.
No entanto, dedicar algum tempo a treinar nesta zona pode ser importante para quem faça provas e competição, pois é nesta zona que se ganha aquele extra que nos faz subir ou descer na classificação.
Mas não é aqui que devemos ''passar'' a maior parte do nosso tempo pois estes treinos acabam por ser desgastantes e consumir a energia que, se fosse utilizada noutras zonas de intensidade, nos traria mais benefícios e menos lesões...treinos na zona cinzenta são para se usar de forma seletiva!

Mitos acerca das zonas de treino 
É comum vermos pessoas com relógios, aplicações e vários utensílios que marcam, medem e dividem o treino em diferentes zonas, mas na maior parte dos casos tal não leva a resultados práticos ou a uma evolução.
Isto acontece porque a teoria em voga parte de algumas assumpções incorretas acerca de como utilizar estas diferentes zonas, nomeadamente:

  • Que existe uma só maneira de treinar e uma zona de intensidade apropriada para quem ambiciona o endurance.
A abordagem Old school a esta zona única de treino advoga um passo lento e contínuo que trabalhe apenas o ritmo aeróbico enquanto que a abordagem New school advoga a alta intensidade num estilo ''dá o máximo até vomitares'' popularizado pelas organizações de Crossfit viradas para o endurance.
Como é óbvio existe mais do que uma maneira de treinar e melhorar o endurance e isso pode ser atingido de forma mais rápida combinando treinos aeróbicos com treinos de intervalos de alta intensidade.
A ideia de que existe uma transição suave de zona para zona, onde o corpo automaticamente muda a sua fonte energia e passa a queimar carbohidratos em vez de gordura ou vice versa, não corresponde à verdade.
O corpo é uma máquina dinâmica e não um robô de mudanças de zona automáticas.
A toda a hora estamos a usar um pouco de todos os sistemas de energia em simultâneo.
Como aplicar isto na prática?

  • Têm facilidade em correr longos períodos de tempo num passo ligeiro mas assim que aumentam o ritmo cansam-se rápido?
Façam mais treinos na zona 4/5, estes treinos não são contínuos, são intervalados...
  • Têm facilidade em fazer treinos intervalados de maior intensidade mas cansam-se quando fazem treinos mais longos?
Façam mais treinos na zona 2 combinados com intervalos de qualidade na zona 3 (Fartlek por exemplo)...
  • Têm dificuldade no esforço final de uma maratona ou treino longo?
Façam mais treinos ou intervalos na zona 5...
  • Precisam de recuperar porque se sentem cansados?
Em vez de pararem façam treinos na zona 1...
Na próximo texto vamos aplicar esta divisão de treinos na nossa rotina, falar do treino polarizado e do HIIT (treinos de intervalados de alta intensidade).
Lembrem-se, conhecimento é poder.

Treinos de Endurance VS Treinos de Força (Sistemas de Energia e Limiar Anaeróbico)

Na introdução do ''Treinos de Endurance VS Treinos de Força'' falámos de como a maior parte dos atletas amadores e entusiastas do desporto entram em ''overtraining/underesting'' e prejudicam a sua qualidade de vida sem repararem.
Nesta segunda parte vamos explicar o que são os sistemas de energia e o limiar anaeróbico para mais tarde podermos falar das alternativas aos treinos contínuos e prolongados que a maior parte dos atletas segue.
O ''combustível'' que usamos para obter energia (ATP) determina se estamos a fazer exercício aeróbico (queimamos gorduras) ou anaeróbico (queimamos carboidratos). Estas classificações, como veremos adiante, não são estanques e raramente utilizamos só um tipo de fonte de energia.
Para elucidar esta questão vamos dar um exemplo:
  • Imaginem um carro que tenha 3 tanques de combustível: gás, gasóleo e gasolina, 
  • Imaginem agora que até aos 30km/h este carro só conseguia usar o gasóleo, entre os 30 - 60km/h só usa gás e a partir dos 60km/h apenas gasolina,  
  • Este veículo não seria prático pois necessitaria de ter sempre os 3 combustíveis presentes ou arriscava-se a andar apenas a 30km/h se por ventura ficasse sem gás, pois não conseguiria subir até aos 60km/h e aceder ao tanque de gasolina,  
  • Se ficasse sem gasolina, nunca passaria dos 60km/h.
Agora imaginem um carro capaz de utilizar os 3 combustíveis independentemente da velocidade a que viajasse e que conseguisse misturar e transformar os combustíveis dentro do seu depósito conforme a sua necessidade...seria um carro melhor adaptado ao seu meio ambiente e mais propício a sobreviver em ambientes hostis, certo?
Este carro existe e chama-se ser humano...consegue utilizar tanto os carboidatos (glucose), como as gorduras (ácidos gordos) e a proteína (aminoácidos) como fonte de energia, independentemente da atividade que desenvolva (quer esteja a dormir, a fugir de um leão ou a caçar um bisonte), com a vantagem de conseguir ainda transformar carboidratos em gordura e armazená-la para um uso tardio, ou gordura em carboidratos para um uso mais imediato.
Como funciona este processo de obtenção de energia?


  • O corpo humano obtém energia através da conversão dos alimentos em trifosfato de adenosina (ATP), que é transformado em difosfato de adenosina (ADP) e por último em Fosfato (P), 
  • Ao produzir energia ''gastamos'' as nossas reservas de ATP que têm de ser repostas,  
  • Existem 3 formas de repor estas reservas, com base nelas foram criados os sistemas de energia,
  • As zonas de intensidade de treino foram criadas com base nestes sistemas, como veremos adiante.
Vamos analisar e enquadrar estes diferentes sistemas de energia:
Sistema oxidativo 
Também chamado de sistema aeróbico de energia ou respiração mitocondrial, é predominante em todos os esforços que tenham uma duração superior a 2 minutos e consiste num uso de tanto carboidratos (glucose) como de gorduras (ácidos gordos). Treinos que dependam na sua maior parte deste sistema chamam-se aeróbicos. 
Os carboidratos são decompostos em glucose e as gorduras (ácidos gordos) são transformadas em glucose. Por sua vez a glucose é combinada com oxigénio para repor os níveis de ATP e consequentemente energia é produzida.
A partir das 2/3 horas de esforço físico começa também a ser utilizada proteína (aminoácidos) que é transformada em glucose para depois seguir o mesmo processo. 
Este sistema usa, portanto, tanto carboidratos como gorduras (como proteínas). Não existe um tipo de treino, zona de intensidade ou minuto específico que faça alterar automaticamente ou use unicamente uma só fonte de energia.
Dependendo de como estamos predispostos geneticamente a ''queimar'' gordura em energia, do que comemos nas últimas refeições (e o tipo de dieta que seguimos) e das hormonas que temos a circular no corpo (as catecolaminas promovem uma maior queima de carbohidratos), mas vamos supor que:
  • A dormir, 70% do ATP que produzimos é derivado de gordura e 30% dos carboidratos (sim queimamos gordura a dormir), 
  • Ao fazermos exercício com alguma intensidade começamos a utilizar maior percentagem de carboidratos,  
  • Ao exercitarmos mais de 2 horas talvez 18% do ATP produzido derive da proteína, mas utilizamos sempre alguma percentagem de cada um dos macronutrientes.
Conclusão, se for passear o cão estarei a fazer exercício aeróbico onde utilizo predominantemente o sistema oxidativo como fonte de energia.
Sistema glicolítico 
Também chamado de sistema anaeróbico por não precisar de oxigénio para a produção de ATP (energia). Por esta razão, durante esforços físicos intensos com uma duração menor que os 2 minutos este sistema torna-se predominante, acontecendo o mesmo nos esforços mais prolongados quando existem picos de intensidade (um sprint no meio de uma corrida longa por exemplo).
Quando isto acontece o treino torna-se anaeróbico. 
Utiliza os carboidratos como fonte de energia predominante, decompondo a glucose armazenada nos músculos e no fígado (glicogénio) ou a glucose do sangue proveniente dos alimentos (carboidratos).
O corpo converte a glucose em ATP e em piruvato e este último pode ser reaproveitado:
  • Através da sua reconversão de volta em ATP fruto de uma ''reciclagem'' (gliconeogénese) que normalmente acontece em períodos de jejum ou em esforços físicos de longa duração (treinos de endurance) e que interliga este sistema com o sistema oxidativo, 
  • Através da sua conversão em ácido láctico por parte dos músculos na ausência de oxigénio, ou seja, durante esforços intensos (glicose anaeróbica), este ácido láctico pode ser transformado em glucose para produzir ainda mais ATP (Ciclo de Cori). 
Conclusão e simplificação, se tiver a fugir de um leão estarei a fazer exercício anaeróbico, onde utilizo predominantemente o sistema glicolítico como fonte de energia, tendo esta fuga o seu ''tempo limite''. 
Sistema fosfagénico 
É usado em esforços de intensidade máxima e pode durar até 30 segundos (talvez menos). 
O corpo decompõe ADP em adenosina monofosfato (AMP) e fosfato inorgânico (Pi) e combina este último com creatina para criar o fosfato de creatina (CP), que ao ser conjugado com ADP forma mais ATP (e consequentemente energia).
Ou seja, além dos sistemas anteriores existem ''subsistemas'' complementares que optimizam a criação de energia através da recombinação de alguns dos componentes químicos que ''sobram'' com outros componentes, uma verdadeira reciclagem e reconversão desses ''restos'' em nova energia.
É como se de uma árvore conseguíssemos fazer 100 resmas de papel e aproveitarmos os restos para fazer mais 20, totalizando 120 resmas no final.
Através deste sub-sistema o sistema anaeróbico consegue ser apoiado/suportado para aguentar esforços mais intensos durante uma sessão de treino. Acredita-se que esta habilidade de reciclar energia através do uso do fosfato de creatina pode ir além dos 30 segundos e durar até quase os 20 minutos de treino, pois quando se faz treinos de endurance, músculos maiores são recrutados a partir de determinada altura em que os músculos pequenos começam a falhar, dando acesso a reservas de creatina armazenadas também nestas fibras musculares.
Ou seja, atletas de endurance que tenham baixos níveis de creatina ou que não complementem o seu treino com treinos que estimulem este subsistema de energia (treinos de alta intensidade), terão menor capacidade ou habilidade de recrutar esta energia auxiliar.
Conclusão, estando eu a fugir de um leão, o exercício anaeróbico que estou a efetuar utilizará o sistema glicolítico como predominante fonte de energia em conjugação com o sistema fosfogénico, dependendo a prestação deste último do nosso condicionamento e capacidade física.
Limiar anaeróbico ou limiar láctico
Quando desenvolvemos atividade física utilizamos vários sistemas de energia em simultâneo como vimos anteriormente...quando o sistema glicolítico se torna predominante, utilizamos a glucose como principal fonte de energia. Esta ao ser decomposta forma ''subprodutos'' como o piruvato, que por sua vez é transformado em ácido láctico pelos músculos.
A acumulação dos níveis de ácido láctico é uma indicação de que o esforço está a ser muito intenso, que nos está a faltar oxigénio para a produção de energia necessária e que não conseguiremos manter esta intensidade por muito tempo. No entanto e numa fase inicial, apesar de algumas fibras musculares deixarem de ser capazes de aguentar a carga aerobicamente, outras fibras podem ainda ter essa capacidade aeróbica e acabar por reutilizar o ácido láctico produzido nas fibras de capacidade limitada.
O limiar anaeróbico é portanto o limite teórico onde abaixo dele, todo o ácido láctico produzido está a ser reconvertido em ATP (energia) através do Ciclo de Cori. Acima do limiar láctico o mesmo é acumulado devido à incapacidade de o reconverter em ATP (esforço muito intenso).

Simplificando, não posso fugir de um leão por tempo indeterminado...existe um limite onde a falta de oxigénio devido à intensidade do meu esforço irá gerar acumulação de ácido láctico ao ponto de não conseguir mais produzir energia (paro de fugir e sou apanhado). 
A este limite dá-se o nome de limiar anaeróbico.
Este limiar pode ser testado em laboratório de forma mais rigorosa ou deduzido empiricamente (de uma forma menos exata mas gratuita) através de alguns testes.
Qual a utilidade disto e onde entra a frequência cardíaca nestas contas?
Suponhamos que eu vou correr na passadeira com um medidor de frequência cardíaca, faço um ligeiro aquecimento e depois corro 30 minutos (sem inclinação) numa passada estável e constante, no ritmo mais intenso que consiga manter durante os 30 minutos, ou seja, naquele limite em que se aumentar a passada já não aguento os 30 minutos sem a reduzir de novamente.
Quem corre tem mais ou menos a noção destes limites, sabe que se aumentar a passada (velocidade) para além de certo ponto, não será capaz de aguentar por muito tempo/distância e o próprio corpo dá sinal através de uma respiração mais pesada onde parece nos faltar o ar (no fundo falta o oxigénio e acumula-se o tal ácido láctico). 
Nesses 30 minutos apontamos a nossa frequência cardíaca de 2 em 2 minutos, depois fazemos a média dessa frequência e temos o nosso limiar anaeróbico.
Feitas as contas digamos que corri a 12km/hora (5min/km) com uma frequência cardíaca de 170 bpm (batidas por minuto), posso então concluir que para o exercício de corrida (cada exercício tem o seu limiar anaeróbico próprio) se eu me mantiver nos 170 bpm estou a trabalhar no meu limiar anaeróbico, ponto máximo onde ainda consigo ''reciclar'' o ácido láctico produzido pelos músculos e transformá-lo em energia, sem que este se acumule de forma a eu ter que reduzir ou parar o treino. 
 
A importância de descobrirmos, com relativa precisão, onde se situa (frequência cardíaca) o nosso limiar anaeróbico prende-se com a definição das zonas de intensidade do exercício físico.
Sabendo qual a frequência cardíaca do meu limiar anaeróbico fico também a saber quais as frequências cardíacas de cada zona, podendo desta maneira ajustar a intensidade do meu treino de forma a não treinar demais quando quero/preciso de fazer um treino ligeiro, ou aumentar a intensidade quando for altura de fazer um treino ''mais intenso''.
  • Porque é que eu preciso de saber as zonas de intensidade? 
  • Não posso só treinar e dar o máximo sempre? 
Vamos responder a estas questões na terceira parte deste texto.