Lípidos, gorduras e colesterol (parte 3)

Terceira e última parte deste post:
A primeira parte pode ser lida aqui...e a segunda aqui... 
Vimos que os lípidos são uma classe heterogénea de compostos entre os quais figuram: 
  • Os triglicerídeos também chamados de gordura,
  • O colesterol,  
  • Os fosfolípidos,  
  • E as lipoproteínas. 
Também vimos que:
  • Os triglicerídeos (a chamada gordura), da forma como se encontram na natureza, são alimentos saudáveis, mas quando expostos ao calor veem as suas propriedades serem alteradas e por este motivo, para cozinhar, deve-se preferir as saturadas ou monoinsaturadas em detrimento das polinsaturadas, 
  • Existem gorduras quimicamente alteradas para servir os interesses da indústria alimentar (as gorduras trans ou hidrogenadas) e estas são um não alimento de se evitar,  
  • O colesterol é produzido no corpo numa quantidade maior do que o ingerido (3x maior pelo menos) e desempenha funções importantíssimas ao nível de produção das hormonas sexuais, entre outras coisas,  
  • Os fosfolípidos têm propriedades importantes e necessárias na produção das lipoproteínas e são estas lipoproteínas quem transportam no sangue os restantes lípidos,  
  • Existem vários tipos de lipoproteínas e que dentro delas a apontada como precursora dos problemas cardiovasculares é a LDL,  
  • Existem vários tipos de LDL, as mais pequenas e densas são as mais suscetíveis de permear o endotélio e penetrar as paredes dos vasos sanguíneos onde são intercetadas pelos glóbulos brancos (macrófagos) que os tentam absorver e remover,  
  • as lipoproteínas HDL tentam remover estes restos que os glóbulos brancos deixam nas paredes das artérias, mas se o ritmo de acumulação for maior que o da remoção, dá-se um lento entupimento das artérias que com o tempo origina problemas cardiovasculares,  
  • O aumento da LDL que causa estes problemas não é causado pelo consumo do colesterol em si, mas está relacionado com vários factores como o consumo de alimentos processados contendo gorduras trans/hidrogenas (e açúcares simples sem valor nutritivo), assim como uma dieta rica em carboidratos de alta carga glicémica e um estilo de vida sedentário que promove o acumular/armazenar da glucose convertida em triglicerídeos.
Este assunto é extenso e não se cinge só às áreas da nutrição ou exercício, requer alguma compreensão mais técnica, o que pode ser desmotivante numa primeira abordagem. 
No entanto temas como este não podem ser tratados exclusivamente por uns poucos entendidos, estamos a falar da nossa saúde, das coisas que comemos no dia-a-dia e que são produzido pela nossa sociedade para nos dar de comer a nós e aos nossos filhos, é preciso haver um esforço para compreendermos o que nos está a deixar doentes e o que tem que mudar.
É imperativo que o conhecimento seja trazido na sua forma mais simples sem ser filtrado pelos interesses económicos que lucram como a nossa desinformação. Neste sentido vamos desmistificar alguns mitos criados por esta desinformação intencional.
A gordura saturada faz mal?
O colesterol encontra-se nos animais e as plantas contém fitoesterol, ao comermos carne animal ingerimos gordura maioritariamente saturada, algum colesterol e outros lípidos.
Nos anos 50 verificou-se que havia uma relação proporcional e direta do aumento de doenças cardiovasculares com a grande concentração das lipoproteínas LDL que transportam, entre outras coisas, o colesterol, pois foi este o composto encontrado nos sedimentos que entupiam os vasos sanguíneos.
A conclusão a que se chegou foi que se comermos alimentos ricos em colesterol iremos produzir muitas lipoproteínas LDL para o transportar e desta maneira aumentar o risco de permeabilização do endotélio, oxidação com os radicais livres, sedimentação e entupimento dos vasos sanguíneos, todo o processo descrito no post anterior. Como só os alimentos animais contêm colesterol, seguindo a anterior conclusão, a gordura saturada (maioritariamente encontrada em animais) seria então prejudicial à nossa saúde, porque juntamente com ela iremos absorver colesterol.
Como já vimos anteriormente o óleo de palma e o óleo de coco também são gorduras maioritariamente saturadas, mas por serem vegetais não contêm colesterol. Estas gorduras já não são consideradas prejudiciais (por não se associarem ao colesterol), mas, no entanto, também são saturadas...existe aqui um contrassenso!
A conclusão é que as gorduras saturadas (animais ou não), por si só, são tão ou mais saudáveis que as restantes e devido ao seu maior ponto de fusão não se alteram quando submetidas ao calor, o que as torna preferíveis para cozinhar. Se estas gorduras tiverem uma origem animal, então estaremos a ingerir colesterol ao mesmo tempo que as consumirmos e isso leva-nos ao próximo mito...
O colesterol é o culpado das doenças cardiovasculares?
A relação entre o aumento de doenças cardiovasculares e o aumento do número das lipoproteínas LDL que transportam (também) colesterol fez crescer este mito que tornou o colesterol um inimigo público. 
Alimentos saudáveis e desejáveis como os ovos, fonte de vitamina B12 e proteína de alto valor biológico passaram para a lista negra, mas agora sabemos melhor...estas lipoproteínas transportam não só o colesterol mas também outros lípidos, nomeadamente triglicerídeos (gorduras), que nos mostram um quadro maior.
Vejamos:
  • Não faz diferença comer muitos ou poucos alimentos que contenham colesterol, porque o corpo simplesmente produz muito mais (de 3 a 5 vezes mais) do que aquele que conseguimos comer, 
  • O colesterol dos alimentos é esterificado e por esse motivo não está nas preferências do nosso organismo...o nosso corpo quer e produz colesterol na sua forma livre (não esterificado),  
  • Desta produção resulta um mecanismo de compensação que se autorregula para não haver colesterol em excesso, 
  • Quando existe excesso a produção é interrompida.
No entanto, e apesar do mecanismo de autrregulação, a produção continua a ser excessiva, é aqui que entram os triglicerídeos. As lipoproteínas transportam os triglicerídeos (a chamada gordura) que passam pelos músculos e pelo tecido adiposo onde parte é absorvida (consoante as necessidades) e o remanescente prossegue viagem, terminando no fígado, que requisita mais colesterol para produzir lipoproteínas (neste caso as VLDL) que iniciam nova viagem para despachar estes triglicerídeos em excesso:
  • Após algumas voltas e transformações as VLDL vão originar as LDL suscetíveis de serem oxidadas pelos radicais livres e entupirem os nossos vasos sanguíneos, 
Os verdadeiros culpados são os níveis excessivos de triglicerídeos, o colesterol serve apenas de intermediário para os transportar.
Porque temos estes níveis excessivos de triglicerídeos?
  • Comemos demais, 
  • Levamos uma vida sedentária,  
  • A nossa comida é de má qualidade,  
  • A nossa dieta baseia-se em açúcares, gorduras trans, etc,
As gorduras vegetais são saudáveis e devem ser preferidas?
As gorduras vegetais são líquidas à temperatura ambiente (devido ao seu baixo ponto de fusão), talvez por isso tenhamos a ideia de que elas ‘’deslizam’’ no interior do nosso corpo mais fluidamente e não entopem as veias como as gorduras sólidas (saturadas). 
Mas uma coisa não tem nada a ver com a outra, é precisamente por elas serem líquidas que mais facilmente oxidam, ficam rançosas e causam malefícios na nossa saúde. 
Vamos separar estas gorduras vegetais insaturadas em monoinsaturadas, polinsaturadas e hidrogenadas/trans:
  • As monoinsaturadas, se forem extraídas por métodos físicos, sem reagentes químicos, processamentos térmicos ou refinamentos, podem ser consideradas saudáveis e usadas como tempero ou para cozinhar. Mas por serem dispendiosas (azeite virgem e de primeira prensagem) tendemos a não cozinhar com elas e só a usá-las para condimentar, 
  • Todos os óleos polinsaturados (e monoinsaturados de segundas prensagens) que usamos para cozinhar ou que foram usados noutros alimentos que comemos, já foram submetidos a processos que alteraram as suas propriedades. Desde o armazenamento, à extracção e ao posterior refinamento, estes óleos foram submetidos à acção de químicos solventes e de toda uma série de etapas (entre as quais branqueamento e deodorização) que altera o seu odor, cor, sabor e aparência. São uma má escolha para quem se preocupa com a sua saúde,  
  • As gorduras hidrogenadas/trans são o culminar dos processos químicos. De forma a aproveitar ao máximo as frutas de onde se colhem os óleos, utilizam-se toda a espécie de solventes químicos em sucessivas prensagens de onde resultam óleos altamente oxidados e rançosos (dai o extenso refinamento)...o passo seguinte é hidrogená-las e alterar as suas moléculas de forma a terem qualidades que as gorduras saturadas possuem. Este procedimento acrescenta valor monetário e rentabilidade a este subproduto que de natural já tem nada, criando-se assim uma gordura artificial sólida para se utilizar nas comidas que vão durar meses nas prateleiras de um supermercado próximo de nós. É juntar o útil ao agradável, pois além de baratas, são estáveis, conservam-se melhor, e são mais fáceis de transportar...mas as consequências são mortais a médio/longo prazo.
Conclusão, gorduras vegetais só mesmo a dos alimentos, óleos só de primeira prensagem como o azeite virgem, pois a saúde não tem preço. 
Uma dieta baixa em gordura é a mais saudável e indicada para baixar os níveis de colesterol (LDL )?
Se ao comermos gorduras animais (carne, peixe, ovos, leite e derivados) inevitavelmente ingerimos colesterol,  se as gorduras animais são maioritariamente saturadas, e se erradamente se concluí que o colesterol é o culpado pelo entupimento dos nossos vasos sanguíneos, então a próxima falsa conclusão é a de que se uma alimentação tiver pouca gordura (em especial a saturada), não correremos o risco de contrair doenças cardiovasculares. 
  • Mas uma dieta baixa em gorduras tem que ser alta em alguma coisa certo?
As dietas light são ricas em carboidratos entre os quais cereais (arroz, pães, massas) e as leguminosas (feijão, grão, etc). O problema é que os carboidratos (glucose no seu estado decomposto) que não são transformados em energia são convertidos pelo fígado (através da sinalização da hormona insulina e um complexo processo químico) em triglicerídeos (gordura).
Podemos não comer gordura mas isso não impede que a mesma circule no nosso organismo, consequência de uma dieta de carboidratos de alto índice glicémico.
Estes carboidratos convertidos em gordura irão sinalizar o corpo para produzir colesterol que servirá de matéria-prima para a construção de lipoproteínas para a transportar e tudo se repete aumentando o risco de contrair doenças cardiovasculares.
Resumindo:

  • Muita comida que excede as nossas necessidades energéticas leva a um acumular de triglicerídeos e de glucose que posteriormente será convertida em triglicerídeos, 
  • Os triglicerídeos em excesso irão aumentar o risco de obesidade, resistência à insulina e diabetes,  
  • Irão também provocar a produção de colesterol para o revestimento das lipoproteínas,  
  • Excesso de carboidratos de grande carga glicémica ou de açúcares simples estimulam a produção de insulina,  
  • A insulina por sua vez induz a atividade de uma enzima chamada HMG CoA reductase, responsável pelos primeiros passos na produção da molécula de colesterol no corpo. Maior produção (desta vez de forma indirecta) de colesterol para o revestimento das Lipoproteínas,   
  • A insulina reduz também as concentrações da enzima PCSK9, que é responsável pela degradação e remoção das lipoproteínas LDL da circulação sanguínea,  
  • A ingestão de gorduras vegetais polinsaturadas refinadas e oxidadas irão contribuir para um pior rácio Ómega-6/Ómega-3 que irá estimular os processos de inflamação, condição que agrava o entupimento que está na origem da arteriosclerose,  
  • Estes óleos polinsaturados estão também relacionadas com o aumento do número de lipoproteínas LDL, 
  • Ingestão de gorduras hidrogenadas/trans, que são um alimento alterado quimicamente e que o nosso corpo não processa (e embora o mecanismo não tenha sido compreendido na sua totalidade), estão relacionadas com o aumento das lipoproteínas LDL e células cancerígenas. 
Toda esta excessiva nutrição de pobre qualidade associada a uma vida sedentária tem como consequência uma pobre saúde sujeita às doenças causadas pelos processos inflamatórios.
Durante milhares de anos o Homem foi caçador-recoletor e nunca teve a incidência que hoje existe destas doenças correlacionadas com o colesterol. Povos como os Masai, Esquimós, e os Ameríndios que até o século XX se alimentavam quase exclusivamente de búfalo e gorduras animais estão entre os povos guerreiros mais atléticos da nossa história.
A falta de informação relevante e a falta de educação a nível dos hábitos alimentares (acidental ou deliberada) é injustificável e tem tido as suas consequências nos números crescentes da mortalidade associada a doenças cardiovasculares, cancros, etc.
Sabemos mais acerca de viagens no espaço do que sobre o nosso metabolismo, sabíamos e tínhamos melhores hábitos alimentares há 100 anos atrás quando não havia tecnologias de informação, mas isto não acontece por acaso, pois há toda uma indústria farmacêutica e alimentar a lucrar com a nossa desinformação e a nossa ignorância, e isso é abominável e criminoso.
Enquanto lemos isto estão a ser gastos milhares de dólares em pesquisas para desenvolver medicamentos que ajudam a diminuir os níveis de concentração das lipoproteínas LDL no nosso corpo (basta procurarem no google a palavra PCSK9drugs).
Eu pergunto:
  • Se esse dinheiro fosse investido em reeducação alimentar, 
  • Se os anúncios e propaganda enganosa acerca das comidas processadas fossem proibidos de passar nos meios de informação,  
  • Se as pessoas encorajadas a ter hábitos alimentares (e não só) saudáveis, 
Não teríamos melhores resultados?
Estará a indústria farmacêutica (de mãos dadas com a alimentar) deliberadamente a deixar-nos doentes e a vender-nos lixo para comer, para depois nos venderem drogas para nos curar?
Supermercados cheios de produtos processados, refinados, conservados, preservados, hidrogenados, açucarados, aromatizados, corantizados, que se sentam prontos a durar anos nas prateleiras sem de depreciarem...comida a durar anos...chamamos a isto comida?
Criou-se um bode expiatório, durante anos chamou-se colesterol.

Lípidos, gorduras e colesterol (parte 2)

Segunda parte do texto sobre os lípidos, na primeira parte vimos que:
  • Os lípidos são um grupo heterogéneo de vários componentes, 
  • Muitas vezes confundimos lípidos com gordura (também chamada de triglicerídeos) mas que esta é apenas uma dos seus componentes, 
  • Existe uma gordura ''artificial'' criada pela indústria alimentar (gordura trans ou hidrogenada) que é nociva à nossa saúde e que serve o propósito de prolongar a validade dos produtos nas prateleiras dos supermercados.
Nesta segunda parte vamos perceber o que é o colesterol, os fosfolípidos e as lipoproteínas.
Colesterol
O Colesterol pertence ao grupo dos esteróis, um grupo de compostos solúveis em gordura encontrado nas membranas celulares e transportado no plasma sanguíneo de todos os animais. É um componente essencial na manutenção da fluidez e integridade estrutural das membranas celulares dos mamíferos.
O colesterol é o principal esterol sintetizado pelos animais, as plantas apresentam um tipo de composto similar chamado de fitosterol.
Devido à sua forma e configuração singular o colesterol é usado primariamente para construir/manter células e algumas hormonas (estrógenio, progesterona, testoesterona, cortisol, etc) e não para armazenamento ou fonte de energia
Algumas pesquisas recentes indicam que o colesterol pode atuar como um antioxidante e ajuda na fabricação da bílis, sendo também importante para o metabolismo das vitaminas lipossolúveis.  Ele é o principal precursor para a síntese de vitamina D e de várias hormonas esteroides (cortisol, aldosterona, progesterona, estrógenos, testosterona e derivados). Recentemente também tem sido relacionado a processos de sinalização celular e redução da permeabilidade da membrana plasmática ao hidrogênio e sódio.
Vamos olhar para uns números:
  • Um homem que pese 68kg produz, em média, 1g de colesterol por dia,
  • No seu corpo encontram-se 35g de colesterol, a maior parte das quais dentro das membranas celulares, 
  • Nos Estados Unidos, a ingestão média diária de colesterol para este homem seria de 307mg (0,307g), menos de um terço diário do colesterol produzido pelo corpo, 
  • O colesterol ingerido via alimentação é esterificado mas o corpo utiliza maioritariamente colesterol na sua forma livre, seja para produzir as lipoproteínas (responsáveis pelo transporte dos lípidos na corrente sanguínea), seja para ser usado pelas nossas células, 
  • Por estas razões o colesterol ingerido é fracamente absorvido (a maior parte dele é rejeitado), no entanto é sempre necessário algum colesterol esterificado para construir as lipoproteínas acima referidas, 
  • As células do nosso corpo libertam colesterol na forma esterificada, a sua função prende-se com o ‘’empacotamento’’ do colesterol, tornando-o mais propício a ser transportado dentro do nosso corpo, 
  • O colesterol também é reciclado no nosso corpo e quando ingerido em grandes quantidades (via alimentação), ativa-se um mecanismo de regulação que diminui a sua produção endógena.
Ou seja:
  • O corpo prefere produzir o seu próprio colesterol do que utilizar o que ingere na alimentação, 
  • O corpo recicla o próprio colesterol que produz e que utiliza, 
  • Mesmo se comermos muitos alimentos com grandes quantidades de colesterol o corpo autorregula-se diminuindo a sua própria produção para manter os níveis equilibrados.
Porque estão as doenças cardiovasculares correlacionadas com altos níveis de colesterol?
Porque temos níveis tão altos de colesterol no sangue a nos entupirem as artérias?
A resposta a esta pergunta será analisada na descrição das lipoproteínas, que vamos observar mais à frente. Fica aqui uma tabela de alguns alimentos que contêm colesterol e os seus valores:

Alimentos (g)
Colesterol (mg)
Triglicerídeos (g)
Saturados (g)
Hidratos Carbono (g)
Bife de vaca
74
23
9
0
Bacon cru
68
45
15
0
Galinha crua
79
29
8
0
Caranguejo cru
78
1
0
0
Bacalhau cru
43
1
0
0
Manteiga c/sal
215
81
51
0
Queijo Edam
89
28
18
1
Ovo cru
423
10
3
1
Leite (1%tg)
5
1
0,6
5
Pizza
27
11
5
31
Cheeseburguer
60
21
9
35

Fosfolípidos:
São lípidos constituídos por uma molécula de glicerol (álcool), duas cadeias de ácidos gordos (uma saturada e uma insaturada), um grupo fosfato e uma molécula polar ligada a ele.
São moléculas anfipáticas pois possuem uma cabeça (grupo fosfato e o glicerol) que é polar ou hidrofílica (têm afinidade com a água) e uma cauda (constituída por cadeias de ácidos gordos) apolar ou hidrofóbica, isto é, que repele a água.
Não vamos adiantar muito mais sobre este tipo de lípido mas vamos ressaltar que é esta qualidade hidrofílica (numa extremidade) e hidrofóbica (no outro extremo) que faz com que elas sejam tão importantes na formação das lipoproteínas, cuja função é transportar as gorduras (que não se misturam com água) num meio aquoso (sangue e linfa).
A sua extremidade hidrofóbica faz contato e mantém enclausurados os lípidos no interior desse meio de transporte (lipoproteínas), enquanto a outra extremidade (hidrofílica) faz o contato com o meio aquoso (sangue ou linfa), permitindo as estas lipoproteínas ‘’navegar’’ na corrente sanguínea e chegar ao seu destino. 
Lipoproteínas:
A lipoproteína é um agregado molecular que contém proteínas e lípidos.
Como os lípidos não podem ser transportados no sangue e linfa (azeite não se mistura com água), o corpo precisou de fabricar um meio de transporte para levar estes compostos ao seu destino, este meio de transporte chama-se lipoproteína e é criado através da emulsificação dos lípidos pelas proteínas, isto é, da sua interacção criam uma partícula complexa que é solúvel em água e que transporta no seu interior os triglicerídeos e o colesterol (esterificado).
O revestimento externo desta partícula é feito de proteínas, fosfolípidos e colesterol livre (não esterificado), e a parte proteica é chamada de apoproteína.
No organismo humano, este composto é sintetizado no fígado e no intestino delgado.
Relevantes para o nosso post temos:
Nome
Densidade
Tamanho
Produção
Quilomicrons
Menor
Maior
Metabolismo endógeno
VLDL (very low density lipoprotein)
Muito baixa
grande
Metabolismo exógeno
IDL (intermediate density lipoprotein)
Intermédia
Intermédio
Metabolismo exógeno
LDL (low density lipoprotein)
Baixa
Pequeno
Metabolismo exógeno
HDL (high density low protein)
Maior
Menor
Metabolismo reverso
Se repararem no quadro a densidade e o tamanho são grandezas de uma relação inversa:
  • Quanto menor for a densidade de uma lipoproteína maior o seu tamanho (quilomicrons),
  • Quanto maior a densidade de uma lipoproteína menor o seu tamanho (HDL),
Vamos então perceber como isto está envolvido no entupimento dos vasos sanguíneos. Quando falamos de bom e mau colesterol não estamos a referirmo-nos ao colesterol em si (que é sempre o mesmo), mas às lipoproteínas HDL e LDL respetivamente.
Uma remove detritos e excessos dos vasos sanguíneos e a outra é mais propícia a deixar componentes capazes de interagir (oxidar) com os radicais livres e criar esses entupimentos.
Vamos fazer um apanhado dos percursos que estas lipoproteínas dão, para entendermos melhor estes processos.
Metabolismo Exógeno:
  • É o metabolismo que lida com os lípidos que ingerimos na alimentação,
  • Os quilomicrons são produzidos no intestino e são responsáveis por transportar os lípidos que comemos, 
  • Iniciam a sua viagem na linfa (são grandes demais para passarem nos capilares sanguíneos), 
  • São levados posteriormente às grandes veias e circulação sanguínea onde transportam as gorduras, colesterol e fosfolípidos para serem absorvidos, armazenados (no tecido adiposo) ou transformados em energia (nos músculos), 
  • No final da sua viagem, dirigem-se ao fígado e entregam o seu colesterol (remanescente) para ser transformado em ácido biliar que irá para o intestino delgado ajudar a digerir os lípidos (sítio onde iniciou esta viagem), 
  • Após esta última entrega ele é decomposto.
Metabolismo Reverso:
  • É produzido pelo fígado e segue pelo sangue, percorrendo o corpo todo, retirando o colesterol (dos músculos e não só) e a gordura acumulada dos tecidos adiposos,
  • A HDL é a boa da fita, quando fazemos dietas e treinamos muito para emagrecer são estas lipoproteínas as nossos melhores amigas, pois vão buscar as gordurinhas armazenadas para serem transformadas (queimadas) em energia, 
  • Também apanham pelo caminho colesterol e outros componentes suscetíveis de entupirem as veias, 
  • Levam o colesterol para os órgãos sexuais onde serve de base para a criação das nossas hormonas, 
  • O final desta viagem termina no fígado com a entrega do colesterol, triglicerídeos e fosfolípidos que sobraram para reaproveitamento, reciclagem ou armazenamento, 
  • Assim que se encontram sem ''passageiros'' estas lipoproteínas não são decompostas, retomam a viagem e tudo se repete...
Metabolismo Endógeno:
  • Este metabolismo lida com os lípidos criados, reciclados ou armazenados no fígado,
  • O fígado desempenha um papel central na gestão dos açúcares e gorduras, pois quando sobra glicose da digestão (o açúcar do pão, massa, doces, sobremesas, etc), esta é convertida em triglicerídeos (através de um complexo ciclo de transformações químicas), de forma a armazenar mais energia num menor espaço, pois como vimos anteriormente, cada molécula de triglicerídeo (gordura) fornece 9kcal, mais do dobro do que a molécula de glicose, 
  • Se sobrar muita gordura (triglicerídeos) da nossa digestão, esta pode ser decomposta e armazenada no fígado (células hepatócitas) ou juntar-se aos triglicerídeos anteriormente descritos, 
  • Estes triglicerídeos irão integrar a lipoproteína chamada VLDL (em conjunto com algum colesterol, fosfolípidos e apoproteínas).

O VLDL irá dar origem aos problemas associados ao colesterol:
  • Esta lipoproteína segue na circulação sanguínea e vai deixando triglicerídeos nos músculos (que os convertem em energia) e no tecido adiposo (que os armazena), diminuindo assim de tamanho e tornando-se mais densa, ponto onde muda de nome para IDL,
  • Algures no seu percurso o IDL cruza-se com o HDL e recebe colesterol em troca de triglicerídeos e fosfolípidos, diminuindo ainda mais de tamanho e aumentando ainda mais a sua densidade, ponto onde muda novamente de nome, desta vez para LDL
  • Mais de metade da LDL é composta de colesterol,

Diferentes tipos de LDL:
  • Existe mais de um tipo de LDL com tamanhos e densidades diferentes, mas para simplificar vamos apenas dividir em duas, a LDL(a) (maior e menos densa) e a LDL(b), menor e mais densa,
  • A LDL(a) tem funções importantes, entre as quais o fornecimento de colesterol às células para todas as finalidades que vimos no HDL (neste sentido são semelhantes, fazem uma espécie de reforço), 
  • No final da sua viagem a LDL(a) é retirada da circulação no fígado onde os componentes que sobraram são reciclados, armazenados ou reutilizados, 
  • A LDL(b) é mais pequena e densa e portanto capaz de penetrar pelas brechas do endotélio (membrana semipermeável que constituí a camada celular interna dos vasos sanguíneos), 
  • Assim que endótelio é transposto, a LDL(b) entra em contato com radicais livres e sofre um processo de oxidação, esta intrusão despoleta um mecanismo de defesa onde os monócitos (glóbulos brancos/células defensivas) saem da circulação sanguínea e penetram no endotélio (transformando-se em macrófagos), 
  • Os macrófagos tentam ingerir as partículas da LDL(b) oxidadas, resultando uma cadeia de respostas inflamatórias onde a HDL tenta remover estes compostos oxidados que estão nos macrófagos, 
  • Estas respostas podem não ser suficientes para evitar a formação de placas de ateroma e de células espumosas que deixam restos de compostos oxidados (entre os quais colesterol) nas paredes das artérias.
A partir daqui gera-se um efeito ''bola de neve'' com mais inflamação que atrai mais glóbulos brancos que entupem mais as artérias, tornando-as mais espessas e menos flexíveis.
A Aterosclerose é o nome da doença inflamatória crónica caracterizada por esta formação de ateromas dentro dos vasos sanguíneos:
  • Os ateromas são placas compostas principalmente por lípidos e tecido fibroso que se formam na parede dos vasos,
  • O volume dos ateromas aumenta progressivamente, podendo ocasionar obstrução total em algum ponto do vaso,
Este processo leva anos e é a causa dos problemas cardiovasculares.  
Mas qual é a causa do aumento deste LDL(b)?  
Se o corpo não aproveita a maior parte do colesterol presente na nossa comida, porque razão é produzido tanto colesterol para se formarem este tipo de lipoproteína? Porque não baixa ele a produção quando este processo atinge níveis excessivos? 
A LDL(b) é uma lipoproteína composta (também) por colesterol que só é produzida se houver outros compostos (além do colesterol) para transportar:
  • O colesterol é só um intermediário neste processo e tal como os fosfolípidos e as apoproteínas, eles apenas são recrutados para formar as Lipoproteínas quando existem triglicerídeos (gordura) para serem transportados,
  • Não havendo excesso de triglicerídeos, não haveria tantos compostos a serem transportados no metabolismo endógeno nem esta produção excessiva e maligna de lipoproteínas.
O problema está na gordura ou no açúcar que comemos?
  • Eu diria que comemos muita comida e de má qualidade, mas os culpados não são as gorduras nem o colesterol que encontramos nos alimentos saudáveis e milenares (carne, ovos, peixe, azeite, manteiga, etc) e que no seu estado natural são benéficos e necessários.
Na última parte deste post vamos perceber porque estamos cada vez mais doentes, obesos, diabéticos e sujeitos a estas doenças cancerígenas e cardiovasculares.
Conhecimento é poder