Pirâmide dos Alimentos VS Roda dos Alimentos


A pirâmide dos alimentos e a roda dos alimentos são duas representações de uma alimentação supostamente saudável e às quais fomos apresentados na escola.
Parecidas mas não iguais, vamos analisar as suas diferenças e perceber como estas têm sido ''manobradas'' pela indústria alimentar para melhor servir os ''seus'' interesses em vez dos ''nossos''.
Pirâmide dos alimentos
A pirâmide dos alimentos é um diagrama triangular que representa o número óptimo de porções a serem comidas, por dia, de cada grupo de alimentos.
Os grupos de alimentos que compõe esta pirâmide são:

Alimentos
Porções diárias
Peso
Pães, cereais e massas
6 a 11
41,5%
Vegetais
3 a 5
19,5%
Frutas
2 a 4
14,6%
Leite e derivados
2 a 3
12,2%
Carne, peixe, ovos, frutos secos e leguminosas
2 a 3
12,2%
Óleos, gorduras e doces
Usar esporadicamente
-

Esta primeira pirâmide foi publicada na Suécia em 1974 e introduzida nos Estados Unidos pela USDA (departamento da agricultura dos EUA) em 1992 com o nome ''Food Guide Pyramide''.
Veio seguir a ideia de que existem comidas ''básicas ou essenciais'' que são baratas e nutritivas e comidas ''suplementares'' que adicionam nutrientes às comidas ''básicas''.
Com o passar dos tempos muda o conceito do que é saudável e essencial e esta primeira pirâmide foi criada numa altura em que se acreditava que as gorduras e o colesterol contido nos alimentos estavam na base dos problemas cardiovasculares, cancerígenas e outros relacionados com os processos inflamatórios.
Por este motivo os carboidratos de alta carga glicémica encontram-se na sua base (41,5%) e pouco destaque é atribuído à carne, peixe, ovos, derivados e outras gorduras.
Isto suscitou alguma polémica nos Lobbys da indústria da carne e derivados animais que conseguiram adiar a sua publicação.
Quando esta se tornou inevitável, os referidos Lobbies conseguiram mudar de forma subtil o seu grafismo, cor e tamanho dos desenhos de forma a dar destaque aos seus produtos, compensando o seu peso minoritário na pirâmide.
O facto de a base ser composta por alimentos de alta carga glicémica (carboidratos complexos) que estimulam uma grande libertação de insulina, em conjunto com a fraca representação das gorduras saudáveis (frutos secos, sementes, azeite, ovos, manteiga, etc) veio trazer a necessidade de mudar esta ''ultrapassada'' pirâmide, de acordo com as mais recentes pesquisas e estudos na área da saúde e nutrição.
Foi trocada pela ''My Pyramid'' em 2005, com as seguintes diferenças:

Veio aumentar a importância da categoria de leite e derivados, igualando o seu consumo ao dos vegetais.
Em 2011 foi substituída pelo MyPlate (meu prato), versão que ainda vigora.
Esta versão veio mudar a representação gráfica e consiste num prato com 4 divisões acompanhado de um círculo representando um copo.
Perfaz 5 grupos de alimentos, com as seguintes distribuições:

  • Cereais (30%), 
  • Vegetais (40%),  
  • Frutas (10%),  
  • Proteína (20%),  
  • Leite ou iogurte, uma espécie de reforço na alimentação, não tem percentagem atribuída, apenas figura na imagem do copo.
Simplificada, esta versão veio acompanhada de slogans como:  
  • ''Garante que metade do teu prato é composto de vegetais e cereais'', 
  • ''Usa leite e derivados magros'',  
  • ''Varia as tuas fontes de proteína'',  
  • ''Certifica-te que pelo menos metade dos teus cereais são integrais''.
Algumas críticas:
  • As pirâmides hierarquizam os alimentos, aludindo à ideia de que uns alimentos são mais importantes do que outros, quando se deve dar igual importância a todos, 
  • As gorduras saudáveis não podem estar na mesma categoria que os doces, é sinónimo de completa ignorância no que diz respeito à saúde alimentar (Pirâmide de 1992),  
  • O leite e os derivados não podem ter o mesmo peso numa alimentação que os vegetais, é absurdo (Pirâmide de 2005),  
  • Não faz sentido em qualquer uma destas representações os cereais (alta carga glicémica) terem maior peso que as leguminosas (menor carga glicémica) e de estas estarem no mesmo grupo que a carne/peixe/ovos,
Como foi apontado, estas representações gráficas misturam a ciência e a influência da indústria alimentar, o que explica a importância dada insistentemente aos cereais e lacticínios.
Roda dos alimentos
A Roda dos Alimentos é uma representação gráfica criada em Portugal em 1977, no âmbito da Campanha de Educação Alimentar "Saber comer é saber viver", que ajuda a escolher e combinar os alimentos que deverão fazer parte da alimentação diária.
Tem uma forma circular, o que assemelha facilmente a um prato, precedendo a actual forma americana em 25 anos!
Na opinião dos especialistas nacionais a pirâmide não representa aquilo que deve ser uma alimentação saudável, ou seja, completa, equilibrada e variada, devido à questão da hierarquização dos alimentos já referida.
Esta antecipação e visão portuguesa é, na minha opinião, demonstrativa do peso dos interesses da indústria alimentar nos EUA, que conseguiram atrasar em mais de duas décadas todo o senso comum em relação à saúde nutricional.
A roda original continha 5 grupos de alimentos divididos em percentagem:

Alimentos
Percentagem
Cereais e leguminosas
30%
Hortaliças, legumes e frutos
40%
Leite e derivados
15%
Carne, peixe, ovos
10%
Óleos e gorduras
5%
 
Apesar de visionária para a época esta roda tem coisas que podiam ser melhoradas, tais como:
  • Separar as leguminosas dos cereais (os primeiros têm menor carga glicémica), 
  • Separar as frutas dos restantes vegetais (os vegetais têm de ser os principais carboidratos da nossa dieta, as frutas são um complemento),  
  • Diminuir a importância dos leites e derivados, ao mesmo tempo que se aumenta a importância da carne/peixe/ovos e das gorduras saudáveis (frutos secos, sementes, azeite de primeira extracção, etc).
Invocando a evolução dos conhecimentos científicos e as diversas alterações na situação alimentar portuguesa justificou-se a necessidade da reestruturação da roda.
A nova Roda dos Alimentos (2003) mantém o seu formato original e associa-se ao prato vulgarmente utilizado, à semelhança do MyPlate americano (precedendo-a em 8 anos).

A nova versão subdivide alguns dos anteriores grupos e estabelece porções diárias equivalentes, para além de incluir a água no centro desta nova representação gráfica:


Alimentos
Porções diárias
Peso
Cereais e derivados, tubérculos
4 a 11
30,6%
Hortícolas
3 a 5
16,3%
Frutas
3 a 5
16,3%
Leite e derivados
2 a 3
10,2%
Carne, peixe e ovos
1,5 a 4,5
12,2%
Gorduras e óleos
1 a 3
8,2%
Leguminosas
1 a 2
6,1%


Podemos observar que algumas coisas mudaram.
A inclusão das porções é algo que me faz confusão...o que são porções? Como quantificá-las?
4 porções grandes serão maiores que 11 porções pequenas, há aqui espaço para subjectivação que gerará má interpretação.
Observamos também a inclusão da água no centro da roda e a criação de dois novos grupos, o das leguminosas (que antes estavam englobados com os cereais) e o das frutas (antes englobados com os vegetais/hortaliças e legumes).
Esta divisão, como invoquei anteriormente, faz sentido porque:

  • As leguminosas têm menor carga glicémica e portanto devem ter um consumo preferível aos cereais (massas e pães) e tubérculos, 
  • As frutas, que embora tenham baixa carga glicémica, têm um índice glicémico alto e por esse motivo não devem ser consumidas em tão grande quantidade como os produtos hortícolas.
Temos de concordar que comer brócolos não é a mesma coisa que comer bananas certo?
Os primeiros têm de ter uma maior expressão no nosso prato, em nome da saúde.
No entanto estas divisões carregam água no bico...
Vieram aparentar uma preocupação com a saúde mas no fundo servir o interesse da indústria alimentar, que talvez tenha ganho maior poder em Portugal desde a primeira roda dos alimentos de 1977.

Vamos analisar o próximo gráfico onde eu volto a juntar as categorias separadas, mas mantenho as porções de 2003 (em percentagem), comparando-as com as de 1977:


Alimentos
Roda 1977
Roda 2003
Cereais e leguminosas:
- Cereais e derivados, tubérculos
- Leguminosas
30%
-
-
42,8%
36,7%
6,1%
Hortaliças, legumes e frutos:
- Hortícolas
- Frutas
40%
-
-
32,7%
16,3%
16,3%
Leite e derivados
15%
10,2%
Carne, peixe e ovos
10%
12,3%
Gorduras e óleos
5%
8,2%
 
O que podemos observar?
  • Que separaram as leguminosas da categoria dos cereais para estes ganharam uma maior expressão, passaram de 15% para 36,7%, 
  • As leguminosas passaram de 15% para apenas 6,1% com esta alteração,  
  • Os vegetais (legumes, hortaliças) que deviam compor a maior parte dos nossos carboidratos (baixa carga glicémica) ao integrarem grupo próprio passaram de mais de 20% para 16,3% (igual às frutas, não faz sentido),  
  • O leite e os derivados diminuíram (o que faz sentido) e a carne/peixe/ovos e as gorduras vêem o aumento do seu consumo recomendado (apenas faria sentido se diminuíssem o consumo dos cereais).
Será que as novas mudanças fazem sentido?
Tendo em conta o aumento da população obesa em Portugal, bem como das doenças inflamatórias, a nova roda dos alimentos têm de ser mais consciente em relação ao alimentos de alta carga glicémica.
Alimentos como o pão, massas, farinhas e batatas (cereais e tubérculos) promovem este tipo de problemas de saúde numa população sedentária e afogada em comida processada e enlatada.
E quanto mais refinados forem estes produtos, pior.
Neste sentido é incompreensível como um organismo governativo chamado Direcção Geral de Saúde pode promover o aumento do consumo destes alimentos em detrimento das leguminosas (feijões, grão, etc) que são tão nutritivas como os cereais mas com menor carga glicémica.
Aumentar o consumo de carne e peixe ao mesmo tempo que o dos cereais é estar a sobrecarregar uma alimentação de proteína e carboidratos, ou se come carne e peixe e se privilegiam as saladas e legumes, ou se ''carrega'' nos cereais e se alivia a carne/peixe/ovos, temos de ter em conta que isto é uma roda para a população geral, sedentária e envelhecida, não para jovens atletas que necessitam de recarregar baterias com calorias.
Da mesma maneira que diminuir o consumo de vegetais e legumes (produtos hortícolas), fontes de micronutrientes e carboidratos de baixa carga glicémica é contra todo o bom senso...é aqui que deve residir a maior parte da nossa alimentação e dos nossos carboidratos consumidos...
Além de os reduzirem recomendam igual consumo às frutas...incompreensível.

  • Acho que se continua a desvalorizar alimentos como os frutos secos, boas fontes de lípidos e proteínas (bem como sais minerais), 
  • Gorduras vegetais como as margarinas e os óleos alimentares refinados (girassol, amendoim, soja, etc) são veneneos que têm de ser erradicados, marcas como a Becel e a Fula devem ter um peso importante para este lixo continuar a ser recomendado a nível oficial,  
  • Do reino vegetal apenas o azeite, o óleo de coco e outros frutos de primeira extracção devem ser consumidos e do reino animal a manteiga, queijo e outras gorduras animais saturadas pois estas mantêm as suas propriedades na temperatura ambiente e não são modificadas quimicamente (hidrogenadas).
Mas então como deveria ser a roda dos alimentos?
Não é fácil traçar uma recomendação geral para uma população, pois diferentes pessoas têm diferentes necessidades e gastos energéticos bem como diferentes biotipos:
  • Uma criança não tem as mesmas necessidades que um idoso, da mesma forma que um trabalhador da construção civil gasta mais energia no exercício da sua função do que um funcionário de escritório, 
  • Atletas, crianças e pessoas com uma vida mais activa devem ter uma maior proporção de alimentos de alta carga glicémica (cereais integrais e tubérculos) do que uma camada mais sedentária ou idosa da população,
Não temos de comer todos os alimentos todos os dias, não existe uma recomendação possível que os englobe a todos, pois eles são interdependentes.
Daí ter referido que todos os alimentos são igualmente importantes e que a recomendação depende do que temos disponível e do que estamos a pensar comer no dia de hoje...
Se comer muito de um alimento que representa determinada classe de nutrientes, posso e devo baixar o consumo de outros alimentos que representem a mesma classe.
Se comer peixe não preciso de acrescentar carne no mesmo prato certo? Pertencem à mesma classe então torna-se óbvio...
Mas se comer laticínios, leguminosas e cereais numa refeição (arroz integral com feijão e queijo por exemplo), não precisaremos de incluir carne/peixe/ovos e gorduras na mesma, pois todos os nutrientes se encontram bem representados (proteína, carboidratos e lípidos bem como micronutrientes).
Da mesma forma se comermos proteína animal e vegetais numa refeição (peixe com ovo cozido e uma salada de bróculos, tomate e couve roxa por exemplo), não precisaremos de incluir leguminosas ou cereais...
Porque temos as gorduras e proteína do peixe e ovos, os carboidratos dos vegetais e os macronutrientes de todos estes alimentos.
Mas como a gestão correta de uma alimentação a nível individual requer conhecimento, informação e sabedoria, e como a industria alimentar e farmacêutica quer as pessoas ignorantes e consegue contrapor qualquer recomendação por mais bem intencionada e saudável que seja através de publicidade milionária desenvolvida por peritos em psicologia com os seus jogos de cor, ritmos, melodias e slogans, talvez a Roda dos Alimentos oficial seja um ''mal-necessário''.
Posto isto, se tivesse que elaborar uma recomendação geral, apostaria no seguinte:

Alimentos
Peso
Cereais e derivados, tubérculos
15%
Hortícolas
25%
Frutas
10%
Leite e derivados
10%
Carne, peixe e ovos
15%
Gorduras e óleos
10%
Leguminosas
15%

Como podemos reparar:
  • Diminuí o peso dos cereais e tubérculos, bem como das frutas, 
  • Aumentei as leguminosas, vegetais, óleos e gorduras (frutos secos, sementes e azeite), bem como de proteína animal (carne, peixe, ovos).
Podemos alterar esta distribuição, adaptando-a a diferentes pessoas, da seguinte maneira:
  • Pessoas mais ativas (atletas, crianças, profissões com grande atividade física) podem aumentar o consumo de cereais e tubérculos, bem como leguminosas, em detrimento de outras categorias,  
  • Pessoas menos ativas (idosos, profissões sedentárias) ou que querem/precisam de perder peso devem diminuir ainda mais o consumo de laticínios, de cereais e tubérculos, aumentando a proteína animal, os produtos hortícolas e as gorduras saudáveis.  
Todas as refeições devem conter em alguma quantidade todos os macronutrientes (carboidratos, lípidos e proteína).
No fundo o que estou a dizer é que o importante numa refeição é estarem representados os nutrientes que precisamos, na quantidade que iremos usar (que é pessoal), independentemente dos alimentos e categorias a que estes pertencem.
Claro que isto obriga a conhecimento e sabedoria, mas não é esse um dos objetivos desta nossa curta passagem por este mundo?
Sabermos o que nos faz bem e o que optimiza o funcionamento da máquina para podermos aproveitar o nosso tempo a 100%, sem doenças e enfermidades.
Infelizmente os poderes económicos querem as pessoas ignorantes, doentes e obesas, a precisar de personal trainers, de suplementos, de medicamentos e consumidoras de comida processada que vai dar clientes a todas estas áreas.

Conhecimento é poder