O Vegetarianismo (parte 3)

Terceira parte do texto sobre o Vegetarianismo!
A primeira e segunda parte encontram-se aqui:

Contextualizámos o vegetarianismo e analisámos os macronutrientes (proteína, lípidos e carboidratos). Agora vamos observar os micronutrientes e tirar uma conclusão de toda esta informação.
Micronutrientes
São compostos orgânicos que não podem ser sintetizados pelo organismo e que se encontram em pequenas quantidades na maioria dos alimentos.  
São essenciais para o bom funcionamento de processos fisiológicos do corpo e as suas principais propriedades envolvem dois mecanismos importantes:
  • De coenzima (substância necessária para o funcionamento de certas enzimas que catalisam reações no organismo), 
  • De antioxidante (substâncias que neutralizam radicais livres).
Fazem parte deste grupo as vitaminas e os minerais.
Ou seja, sem estes nutrientes que se encontram em quantidades muito pequenas nos alimentos a nossa máquina não funciona, por mais macronutrientes ingeridos.
O seu défice (hipovitaminose ou avitaminose) pode provocar doenças ou disfunções e o seu excesso (hipervitaminose), intoxicações.
Vitaminas
Temos dois tipo de vitaminas:
  • As lipossolúveis (A, D, E e K) que circulam na linfa e encontram-se em alimentos lipídicos (lípidos), com funções na sua maioria estruturais e já referidos no ponto dos lípidos, 
  • As hidrossolúveis (complexo B, que vai da B1 à B12 e a C), que são solúveis em água e circulam no sangue.
As vitaminas do complexo B funcionam principalmente como coenzimas no metabolismo celular e a vitamina C é um agente estrutural vital e antioxidante.
As vitaminas encontram-se tanto nos alimentos animais como nos vegetais, à exceção da vitamina B12 e D.
A vitamina D só se encontra em alimentos animais mas como referimos na primeira parte deste texto, pode ser sintetizada pelo corpo humano através da exposição ao sol, portanto não é algo preocupante numa dieta vegetariana,
A Vitamina B12 também só existe em alimentos animais e embora a soja e alguns derivados a possuam, esta encontra-se numa forma inativa e não absorvida na nossa digestão.
Há indícios de que alguns alimentos vegetais (Nori, Tempeh, Spirulina, Cevada fresca) também contêm esta vitamina, mas a sua biodisponibilidade para absorção é questionável e ainda não é dada como fonte confiável. Mesmo derivados como o ovo e o leite são fontes pouco biodisponiveis, ou seja, se não forem consumidos com regularidade (diariamente) podem não suprir a carência desta vitamina.
Só resta mesmo a carne o peixe para satisfazer estas necessidades, segundo o paradigma corrente, ou então a via da suplementação e ingestão de alimentos enriquecidos. Para uma pessoa vegetariana é necessária a suplementação ou a inclusão de alimentos enriquecidos em vitamina B12 na sua alimentação.
Tirando estas exceções, todas as restantes vitaminas se encontram bem concentradas numa grande diversidade de alimentos vegetais.
Podemos concluir isso observando a seguinte tabela: 

Por cada 100g
Vitaminas
Complexo B:







- B1
0,1mg
0,1mg
0,1mg
-
0,1mg
0,1mg
1,6mg
- B2
0,2mg
0,1mg
0,5mg
0,2mg
0,1mg
0,1mg
0,2mg
- B3
4,5mg
2,5mg
0,1mg
0,1mg
0,5mg
0,6mg
3,1mg
- B5
0,7mg
0,2mg
1,4mg
0,4mg
1,7mg
0,6mg
1mg
- B6
0,3mg
0,3mg
0,1mg
-
0,6mg
0,2mg
0,5mg
- B9
11mcg
8mcg
44mcg
5mcg
31mcg
108mcg
87mcg
- B12
2,9mcg
1,1mcg
1,1mcg
0,4mcg
-
-
-
Vitamina C
-
1mg
-
-
1,7mg
64,9mg
0,6mg

Sais Minerais
São substâncias de origem inorgânica que fazem parte dos tecidos duros do organismo, como os ossos e os dentes, mas também são encontrados nos tecidos moles como os músculos, células sanguíneas e sistema nervoso.
Possuem uma função reguladora, contribuindo para a função osmótica, equilíbrio ácido-básico, estímulos nervosos, ritmo cardíaco e atividade metabólica.
Dentro dos sais minerais temos:
  • Os macroelementos, que são maiores e dos quais fazem parte o cálcio, magnésio, sódio, potássio e fósforo, 
  • Os microelementos como o ferro, cobre, iodo, manganês, zinco, molibdénio, cromo, selénio e flúor.
Todos são encontrados tanto em alimentos animais como vegetais, não havendo portanto nenhuma restrição.
Mesmo o cálcio, que se publicita como propriedade quase que exclusiva dos laticínios, pode ser encontrado em fontes vegetais com bastante concentração, como foi discutido no post ''Leite...prós e contras!''.
Vamos ver a tabela:

Por cada 100g
Cálcio
35mg
14mg
50mg
113mg
61mg
40mg
255mg
Ferro
2,3mg
0,5mg
1,2mg
-
3,1mg
0,7mg
5,7mg
Magnésio
19mg
42mg
10mg
10mg
201mg
21mg
392mg
Fósforo
185mg
138mg
172mg
91mg
513mg
67mg
642mg
Potássio
275mg
244mg
126mg
143mg
523mg
293mg
813mg
Sódio
81mg
78mg
124mg
40mg
2mg
41mg
30mg
Zinco
6,1mg
0,6mg
1,1mg
0,4mg
3,4mg
0,5mg
4,3mg
Cobre
0,1mg
-
-
-
1,4mg
0,1mg
1,2mg
Manganês
-
-
-
-
3,9mg
0,2mg
2,5mg
Selénio
21,4mcg
37,6mcg
30,8mcg
3,7mcg
17mcg
1,6mcg
25,4mcg
Flúor
22,4mcg
-
4,8mcg
-
-
4mcg
-
Como podemos observar:
  • Tanto as vitaminas como os sais minerais encontram-se em abundância nos alimentos vegetais, com exceção da vitamina D e vitamina B12, 
  • Os alimentos vegetais são, no geral, tão ou mais ricos do que os alimentos animais em micronutrientes, pois possuem maior quantidade e diversidade,  
  • É necessário tomar vitamina B12 suplementada se tivermos uma alimentação estritamente vegetariana.
Conclusão
Do ponto de vista nutricional, parece-me claro que uma alimentação 100% vegetariana (sem derivados) é viável, a única carência que se pode apontar é da vitamina B12, no entanto esta pode ser suplementada ou ingerida em alimentos reforçados com a mesma.
Os ovolactovegetarianos (comem derivados animais) não terão este problemas se ingerirem os derivados com regularidade.
O único macronutriente, numa alimentação vegetariana, que pode interferir com uma saúde plena não é, ao contrário do que se pensa, a proteína (o défice ou falta de qualidade) mas sim os carboidratos e não pelo défice mas pelo seu excesso.
Como vimos esta alimentação é rica nesta fonte de energia que, quando não é utilizada, corre o risco de ser armazenada sob a forma de gordura.
Por este motivo é importante não exagerar nos alimentos com grande carga glicémica (cereais e leguminosas) e alargar mais o nosso consumo a vegetais, frutos secos e sementes, que são boas fontes proteicas e de lípidos, com baixa carga glicémica.
Eliminar produtos refinados e incluir produtos integrais também é uma premissa, bem como aprender a preparar os vegetais, cereais e leguminosas, que será assunto para outro post.
É de salvaguardar que os carboidratos também se acumulam devido ao pouco que fazemos pois vivemos numa era em que as pessoas não se mexem:
  • Saímos de casa, sentamos no carro, 
  • Saímos do carro, apanhamos o elevador,  
  • Saímos do elevador, sentamos na secretária e daí de volta a casa para o sofá e depois para a cama...
Neste registo, mesmo que eliminemos carboidratos de alta carga glicémica fica difícil ser saudável ou ter uma boa qualidade de vida. Temos de aliar a dieta à atividade física e equilibrá-las...se tenho pouco gasto energético, não faz sentido ter muito consumo...
Mas será que um atleta de competição ou uma pessoa extremamente dedicada à atividade física pode triunfar nos seus objetivos com uma dieta vegetariana?
A nível de energia e saúde acho que sim...no entanto, para um efeito estético mais rigoroso que envolva muita definição muscular (culturismo, etc), talvez o excesso de carboidratos complique esta missão...mas isso é algo que também vai depender grandemente da genética de cada um e do seu biotipo...
No inicio do Post referi que as questões morais não seriam o seu foco, mas existe uma questão ecológica e de sustentabilidade do planeta que é relevante e que vou referir: 
  • A sustentabilidade diz-nos que a produção de carne intensiva (bem como a da pesca intensiva) está esgotar os recursos do nosso planeta e que não é viável a longo prazo, ou seja, que estamos a esgotar os nossos recursos e a matar a nossa fonte de subsistência (o planeta) e isto sim, não se trata apenas de uma questão ética mas sim de sobrevivência da nossa espécie.
Realmente o consumirmos carne a todas as refeições, todos os dias, é um luxo que há 50 anos não tínhamos em Portugal e que provavelmente mais de 50% da população mundial não tem hoje em dia.
A média anual de consumo de carne nos EUA é de 120kg, nos países desenvolvidos 80kg e nos países em vias de desenvolvimento 25kg.
Se hoje já enfrentamos problemas que derivam desta produção de carne intensiva, imaginem se toda a gente pudesse comer carne como nós comemos...não haveria para todos.
Se não pode haver para todos com que direito nos abandonamos indulgentemente a este consumo excessivo?
Não damos valor, muitas vezes menosprezamos, deitamos fora ou deixamos estragar comida que teve um ''custo de produção'' retirado do planeta, enquanto muitas pessoas passam fome, ou não têm acesso a uma alimentação que supra as suas necessidades.
  • Neste sentido incluir mais vegetais, em detrimento da carne e peixe, para ajudar a suprir as necessidades nutricionais pode fazer sentido e talvez aqui uma abordagem parcialmente ou totalmente vegetariana seja parte de uma solução,
  • Equilibrar a nossa alimentação de forma a reduzir o consumo de carne e peixe, não por um motivo de saúde, mas sim de sustentabilidade do nosso ecossistema e futuro colectivo parece ser o caminho correcto.
Estudos apontam para que num futuro próximo os insectos sejam cada vez mais incluídos na nossa dieta e até criados em casa com o intuito de reduzir o consumo de carne e peixe que tão grande custo trazem ao nosso meio ambiente. Sendo que os insectos também pertencem ao reino animal, será interessante ver o que os defensores de uma dieta vegetariana irão argumentar.
Conhecimento é poder