Treinos de Endurance VS Treinos de Força (Conclusão)

Já vimos de uma longa dissertação acerca dos treinos de Endurance e de Força e vamos agora concluir e pôr na prática toda a teoria que abordamos nos textos anteriores.
As outras partes podem ser lidas aqui:
Basicamente estamos a defender a ideia de que:
  • Para os atletas que treinam por motivos funcionais (e não unicamente estéticos), aliar treinos ligeiros e aeróbicos (que não desgastam os nossos músculos, nem reservas de energia e nos fazem ganhar endurance) com treinos de alta intensidade e anaeróbicos (que nos fazem ganhar força, velocidade e potência) é o melhor de dois mundos.
Desta forma previnem lesões, melhoram a vossa qualidade de vida, poupam tempo que pode ser empregue na vossa vida social e ainda conseguem obter uma melhor performance. 
Resta-nos agora decidir e aprender em que doses e concentrações esta aliança pode/deve ser feita.
A maior parte dos atletas de endurance está presa num tipo de treino típico e repetitivo, correm, nadam ou andam de bicicleta o mesmo tempo, à mesma velocidade, pelo mesmo percurso (inclinação). Não variam a sua intensidade, fazem treinos que não são leves (cansam na mesma os músculos), mas que também não são pesados ao ponto de maximizarem resultados e melhorarem a sua performance.
Treinam sempre na ''zona cinzenta'' (junk mile) algures na intensidade de treino 3.
A ideia que vamos aqui passar é:
  • A maior parte do trabalho base destes atletas deveria ser feito na zona 2, onde ficarão com um sentimento de culpa por parecer termos feito um treino fácil demais (que não nos cansou muito),
  • A menor parte deveria ser feita no outro extremo, onde os treinos difíceis (alta intensidade) são realmente difíceis (desafiantes) e não só um pouco difíceis.
Treinar a maior parte (senão todo) do tempo na zona intermédia limita o corpo a utilizar o mesmo sistema de energia (glicolítico predominantemente) que faz um atleta de endurance ter apenas ''uma velocidade''.
Desta maneira não consegue aplicar intensidade quando esta é necessária (porque não a treina) e não consegue abrandar o seu rimo quando precisa de recuperar, resultando num aparecimento de lesões por excesso de treino ou treino repetitivo.

  • Vocês correm? Andam de bicicleta? Fazem triatlos ou maratonas? 
  • Conhecem quem o faça há mais de 5 anos de forma regular?
Então perguntem-lhe sobre as lesões e fadiga...não existe uma pessoa que treina neste esquema e que não se ressinta.
O treino polarizado
O treino polarizado consiste em treinar 80% do tempo na zona aeróbica (zona de intensidade 2) e 20% do tempo na zona acima do limiar anaeróbico (zona de intensidade 4 ou 5).
Treinar a maior parte do tempo numa intensidade baixa permite construir um sistema cardiovascular aeróbico e ter repetição suficiente para que a padronização dos movimentos melhore a eficiência e a economização de energia, expondo-os apenas ao stress necessário para criar adaptação cardiovascular e muscular.
Ou por outras palavras:

  • Treinar ''devagarinho'' permite mecanizarmos os movimentos e aprendermos a técnica,  
  • A técnica permite poupar energia,  
  • A somar a isto treinos prolongados constroem um bom sistema cardiovascular (endurance).
Os 20% de treino a alta intensidade são apenas o suficiente para adicionar velocidade, explosão e força ao nosso sistema cardiovascular.
  • Exercícios muito intensos criam radicais livres que causam dano (oxidação) nos músculos, células e órgãos e à medida que o corpo repara este dano (produzindo antioxidantes) dá-se uma adaptação que o torna mais resistente à futura oxidação proveniente de treinos de alta intensidade (aumenta a sua produção de antioxidantes).
No entanto é necessário termos descanso suficiente para que o corpo recupere e tenha esta adaptação...é aqui que entra o método de treino.
Treinar de uma forma adequada que permita estímulo físico mas que não seja excessivo, ou seja, em vez de castigar o corpo sempre da mesma forma, intensidade e duração de maneira contínua, podemos fazer treinos polarizados...dias muito duros de treino (intensidade 4 e 5) e dias muito fáceis (intensidade 1 e 2) que permitam uma recuperação ativa.
Embora os atletas profissionais usem este método de treino polarizado, temos de ter em conta que eles são isso mesmo...profissionais...fazem vida disso.
Se uma pessoa normal tiver o seu trabalho de 8h (às vezes mais) e além disso ainda tiver de dedicar horas de treino a uma atividade física prolongada na zona 2 (2h por sessão de treino, ou perto) pouco tempo sobra para uma vida social e familiar.
Tentando oferecer uma alternativa ao atleta entusiasta (que treina por gosto) ou amador, vamos tentar perceber como o nosso corpo constrói a sua endurance.
Determinantes primários da performance cardiovascular e endurance:

  • Frequência cardíaca (quantidade de vezes que o coração bate por minuto) 
  • Volume da batida cardíaca (a quantidade de sangue bombeada por cada batida)  
  • Contração arterial (a força de contração do músculo cardíaco)
À medida que estas variáveis aumentam a quantidade de fluxo sanguíneo e oxigénio fornecido aos músculos também aumenta.
Classicamente considera-se que os treinos aeróbicos/leves/endurance são os melhores para desenvolver estas variáveis, mas existem subtilezas que têm de ser consideradas, pois sangue/oxigénio enviado e sangue/oxigénio aproveitado podem ser duas coisas diferentes.
A quantidade máxima de oxigénio que podemos fornecer aos músculos num dado período de tempo (VO2max) não depende só das determinantes dadas pelo coração, mas também do aproveitamento real (por parte dos músculos) do oxigénio contido no sangue enviado, sangue esse que mais tarde retorna ao coração.
No cálculo desta taxa de oxigénio utilizada entram as tais subtilezas:

  • Pré-carga, quando os músculos se contraem o fluxo sanguíneo é impulsionado pelas veias de volta ao coração, aumentando a quantidade de sangue disponível para o próximo bombeamento, o que aumenta o volume da batida cardíaca,
  • Mitocôndrias, estas organelas celulares (sub-unidade de uma célula com uma função específica) são responsáveis pelo uso do oxigénio na produção de ATP (energia) através da quebra das moléculas de glucose ou gordura. Aumentar o número e tamanho destas gera mais energia disponível para os músculos, originando maior produção de força por períodos mais prolongados,  
  • A distribuição da corrente sanguínea,  
  • Densidade capilar (número de vasos sanguíneos que fazem esta entrega),  
  • Conteúdo de oxigénio no sangue,
Adivinhem qual é o treino que mais promove o desenvolvimento destas subtilezas?
É o HIIT (High intensity Interval Training), que agora entra em cena.
Treinos intervalados de alta intensidade é um nome pomposo para designar os treinos que não são contínuos (têm intervalos de descanso entre as séries) e são efetuados com grande intensidade (zona 4/5).
Devido à sua intensidade são também mais curtos:

  • Se tivermos a falar de corrida, um treino aeróbico será correr 80 minutos numa passada tranquila...se essa passada se for intensificando vamos progressivamente passando da zona 2 para a zona 3 e entrando na zona 4, 
  • A partir daí já não conseguimos manter essa intensidade por muito tempo (passamos do exercício aeróbico para o anaeróbico) e para atingir a zona 5 precisamos de fazer intervalos...ou seja, precisamos de descansar,  
  • Um treino de intervalos na corrida será por exemplo fazer um sprint de 90 segundos e descansar 45 segundos,  
  • Façam isto 10 vezes (10 séries) e têm um treino de HIIT feito, daí o nome...Treinos Intervalados de Alta Intensidade!
Entre outros benefícios o HIIT promove:
  • O aumento do número e tamanho das mitocôndrias, bem como das enzimas oxidativas contidas nas mesmas, 
  • Estas enzimas estão envolvidas no processo de utilização das gorduras e carboidratos para formação de ATP (energia)...mais enzimas oxidativas, maior capacidade de treinar numa intensidade mais elevada por um período mais prolongado,  
  • Uma maior capacidade de queimar gordura durante o exercício e de utilizar esta como fonte de energia reduzindo a utilização de glucose,  
  • Uma maior queima de gordura no pós-exercício, denominado de EPOC (consumo de oxigénio no pós exercício), pois treinos muito intensos necessitam de uma recuperação mais ativa, recuperação essa que exige queima de energia no processo,  
  • Maior volume da batida cardíaca (a quantidade de sangue bombeada por cada batida), contracção arterial (a força de contração do músculo cardíaco) e aumento da massa muscular cardíaca,  
  • Aumento dos capilares sanguíneos que por sua vez melhoram as trocas de oxigénio aumentando a taxa de oxigénio utilizada,  
  • O fortalecimento das fibras musculares que por sua vez irão melhorar o retorno venoso, aumentando a pré-carga referida anteriormente e consequente volume da batida cardíaca.
Comparando o HIIT com o exercício aeróbico 
No entanto o treino aeróbico traz benefícios que não podem ser ignorados e que se prendem mais ao nível cardiovascular e com a quantidade de sangue que o coração consegue enviar aos músculos. 
Os benefícios do HIIT prendem-se mais com a boa forma dos músculos periféricos e a quantidade do sangue recebida que é realmente aproveitada.
As duas quando conjugadas têm um efeito sinérgico.
A questão é:

  • Como devemos treinar de forma a não perder tempo e reservas de energia com treinos na zona cinzenta (junk miles) e sem excesso de HIIT que também tem as suas consequências (stress oxidativo)? 
  • Como fazer isto tendo também em conta que somos atletas amadores que têm as suas profissões, famílias e vida social e não dispomos de 30h por semana para treinar?
A resposta terá que ser dada individualmente consoante as necessidades de cada pessoa...
  • Há pessoas que trabalham 40h semanais e outras 60h, 
  • Há pessoas que têm família e amigos, outras são solteiras, sem filhos e pouca ou nenhuma vida social,  
  • Há pessoas que trabalham o dia inteiro sentadas sem se levantar e outras têm um emprego dinâmico, em pé ou que envolva alguma actividade física,  
  • Há pessoas que trabalham de segunda a sexta, outras têm folgas rotativas,  
  • Etc...
O tempo disponível, a família e as necessidades sociais bem como o nível de atividade que a nossa vida normal já nos oferece são variáveis que temos de ter em conta quando vamos fazer um plano de treino.
Normalmente, atletas amadores e super entusiastas do desporto têm tendência a desvalorizar e pôr em segundo lugar tudo o que não contribuí diretamente para o seu desempenho físico, mas eu sou da opinião que o físico e a mente complementam-se um do outro e que a nossa vida tem de ser equilibrada (necessidades sociais, psicológicas, espirituais) para o corpo poder dar o melhor de si.
É aqui que acho que este post pode ajudar...
De uma forma geral:

  • Quem tem um trabalho muito sedentário deve fazer o máximo por se mexer, ir de escadas em vez de apanhar elevadores, levantar-se de hora em hora para caminhar e fazer qualquer coisa, se tiver que falar ao telefone pode fazê-lo em pé, tudo isto ajuda o corpo a estar em movimento e contribui para a construção de um físico e metabolismo que utilize o sistema oxidativo de forma eficiente, 
  • Passar mais tempo na zona de intensidade 2 quando o objetivo for treinar endurance, para desta forma não desgastar o corpo e poder treinar com mais intensidade noutros dias,  
  • Intercalar dias leves com dias pesados, se na segunda corremos 90 minutos a um passo ligeiro, na terça feira podemos levantar uns pesos pesados e fazer uns sprints,  
  • Sempre que estamos mais esgotados ou nos sentirmos cansados fazer uma atividade de intensidade 1 (caminhar) em vez de estarmos parados ou de levarmos o nosso corpo até à exaustão com mais um treino.
Vou deixar aqui um dos exemplos do livro do Ben Greenfield para terem uma noção:

Segunda
30min de bicicleta + 20min exercícios natação (zona 2)
Terça
20min de levantamento de pesos + 30min de corrida HIIT (zona 4/5)
Quarta
30min de bicicleta HIIT + 30min de natação HIIT (zona 4/5)
Quinta
20min de levantamento de pesos (zona 4/5) + 30min de corrida (zona 2)
Sexta
60min de qualquer atividade (zona 1)
Sábado
270min de corrida numa passada de prova com intervalos de 20-5min + 3x1000m de natação a um ritmo de prova
Domingo
80min de corrida numa passada de prova com intervalos de 9-3min
Paralelamente se eu fizesse um treino para um atleta de um desporto de combate ficaria algo deste género:

Segunda
60 a 90min de desporto de combate (zona 3/4)
Terça
50min de corrida (zona 2)
Quarta
60 a 90min de desporto de combate (zona 3/4)
Quinta
50min de corrida (zona 2)
Sexta
60 a 90min de desporto de combate (zona 3/4)
Sábado
20min de levantamento de pesos (zona 4/5) + 30min de corrida (zona 2)
Domingo
60min de qualquer atividade (zona 1)
Ficam aqui algumas ideias e noções de como diversificarem o vosso treino de forma a não entrarem num desgaste e quebra de energia que resulta de um excesso de treino nem sempre evidente.
Conhecimento é poder!