Óleo de peixe / Ómega-3...sim ou sopas?


Os suplementos de óleo de peixe têm proliferado no mercado nas últimas duas décadas.
Chegaram ao ponto em que são considerados um ''must have'' da saúde suplementar, ou seja, um dos 3 grandes suplementos (ao lado da creatina e da proteína) cujos efeitos são tidos como reais, comprovados e benéficos, algo que infelizmente é pouco comum nos suplementos nutricionais, apesar de nos quererem convencer do contrário, através do uso de técnicas astutas de marketing e publicidade.
É por este motivo que faço questão de analisar todos os suplementos independentemente do quão geralmente aceites eles são na opinião pública, pois existe muito dinheiro nos bastidores a rolar para que areia nos estorve a visão.
Quando falamos de Óleo de peixe referimo-nos aos ácidos gordos polinsaturados Ómega-3. Dentro dos Ómega-3 temos:

  • Ácidos gordos de cadeia longa, que estão presentes em peixes de água fria (salmão, bacalhau, atum, sardinhas, cavalas, etc), marisco e na gema do ovo. É destes ácidos que os suplementos são compostos, nomeadamente por ácido eicosapentaenoico (EPA), ácido docosaexanoico (DHA). 
  • Ácidos gordos de cadeia curta, que estão presentes em alimentos vegetais como as sementes, frutos secos, cereais, leguminosas e vegetais verdes. Estes alimentos contêm outra forma de Ómega-3, o ácido alfa-linolênico (ALA).
Os únicos alimentos vegetais que têm EPA e DHA são as algas marinhas, mas em pouca quantidade.
O que são ácidos gordos polinsaturados?

  • São ácidos gordos que contêm mais do que uma ligação dupla de átomos de carbono que deixa espaços (vazios) que podiam ser ocupados por átomos de hidrogénio, 
  • A dupla ligação dos Ómega-3 encontra-se no terceiro carbono a partir da extremidade oposta à carboxila (visível na imagem acima),  
  • São chamados de "essenciais" porque não podem ser sintetizados pelo corpo e devem ser consumidos sob a forma de gorduras.
Vamos observar a composição proteíca deste suplemento:

Óleo de peixe
100g
Calorias
902
Lípidos:
100g
- Gorduras saturadas
21g
- Gorduras polinsaturadas
16g
- Gorduras monoinsaturadas
57g
Proteína
0g
Carboidratos
0g
Colesterol
766mg
Sódio
0mg
Fibra alimentar
0g
Vitaminas:

- A
0 UI
- B6
0 mg
- B12
0µg
Cálcio
0mg
Ferro
0mg
Magnésio
0mg

Como podemos ver, além de lípidos este suplemento nada mais contém. 
Alguns dos benefícios deste suplemento: 
  • Redução dos níveis de triglicerídeos, esta redução será maior nas pessoas com níveis muito altos, 
  • Prevenção de doenças coronárias, embora a suplementação não traga benefícios adicionais para pessoas que já tomam medicação para estas doenças ou que já comem peixe em quantidade suficiente,  
  • Diminuição da obstrução dos vasos sanguíneos após uma angioplastia (intervenção que desobstrui uma artéria coronária) até 45%,  
  • Prevenção do aborto em mulheres com síndrome antifosfolípide,  
  • Melhoria da atenção, função mental e comportamento dos pacientes que sofrem da desordem por Défice de Atenção e Hiperatividade,  
  • Melhoria dos sintomas de depressão de quem sofre de desordem bipolar,  
  • Redução do risco de ataque cardíaco,  
  • Redução ligeira da pressão sanguínea para pacientes que sofrem de pressão arterial elevada e não tomam medicação para a mesma,  
  • Melhoria dos sintomas da artrire reumatóide,  
  • Baixa do risco de Acidente vascular cerebral (AVC) em pessoas que não tomam aspirina como prevenção,  
  • Entre outros...
À primeira vista a suplementação deste produto em pessoas saudáveis parece ter benefícios preventivos ao nível do colesterol, triglicerídeos e doenças relacionadas. Mesmo não contando com pessoas que têm problemas específicos de saúde (tensão alta, artrite, osteoporose, dispraxia, cancro, etc), os óleos de peixe continuam a parecer uma boa aposta. 
O Ómega-3 de cadeia longa (peixe e marisco) é publicitado como a principal fonte destes benefícios em detrimento dos de cadeia curta (alimentos vegetais), no entanto li que do total a ser consumido (ou suplementado) por dia, apenas ¼ deve exclusivamente pertencer aos ácidos de cadeia longa (EPA/DHA). 
Isto significa que mais de metade das nossas carências de Ómega-3 podem ser supridas com os alimentos vegetais que contêm a cadeia curta (ALA). A somar a isto, os ácidos gordos de cadeia curta (ALA) são convertidos no organismo em EPA/DHA, a uma taxa (pequena) que varia entre os 2 a 10%. 
Além da maior parte do nosso consumo poder ser feito de ácidos de cadeia curta, os mesmos podem ser transformados em cadeia longa, tornando o consumo de cadeias longas (EPA/DHA) opcional e não essencial.  
A recomendação diária varia de organização e de país para país, mas situa-se normalmente entre os 800-4000mg total, ou seja, 200-1000mg dos de cadeia longa (EPA/DHA). 
Sendo assim eu pergunto:
  • Porquê que se dá mais importância aos ácidos de cadeia longa (EPA/DHA)? 
  • E porquê que os suplementos trazem apenas os de cadeia longa (EPA/DHA)?  
  • Será que a indústria está interessada em criar a ideia de que existe uma necessidade de consumir este ácido gordo exclusivamente das cadeias longas, mais difíceis de obter, justificando assim a venda deste suplemento?  
  • Sabendo que são poucas as pessoas que comem peixe, menos ainda as que comem peixe fresco (mais rico em EPA/DHA), encontra-se aqui espaço para a sua venda em forma de suplemento.  
  • A gema do ovo também contém estes ácidos gordos de cadeia longa (EPA/DHA), mas será que este facto é menosprezado para não ofuscar o valor do suplemento? 
Outra coisa que temos de observar é que o ser humano existe há mais de 200.000 anos e nunca houve esta ''necessidade'' de consumir peixes de água fria, coisa que era exclusiva de povos do hemisfério norte. Como conseguimos sobreviver e ser saudáveis antes de existir este suplemento?
Agora entra a revelação...existem fatores que inibem a conversão do Ómega-3 de cadeias curtas (ALA) em cadeias longas (EPA/DHA) tais como:
  • O consumo em excesso de ácidos gordos Ómega-6, 
  • O consumo de gorduras hidrogenadas/trans  
  • O consumo de álcool,  
  • Insuficiência de consumo de proteína,  
  • Deficiências nos níveis de alguns minerais e vitaminas (como o cálcio, cobre, magnésio, zinco, Vitamina H e B6). 
Estudos dizem que a maior parte dos problemas associados com a deficiência de Ómega-3 estão diretamente relacionados com um desequilíbrio entre os níveis de Ómega-3 e Ómega-6. 
Percebem o que está a acontecer? 
O estilo de vida ocidental que prolifera desde o início do século XX está na base dos nossos fracos níveis de Ómega-3 e excessivos níveis de Ómega-6. 
Os Ómega-6 não são maus se consumidos em quantidades moderadas, mas consumidos em excesso, geram os tais processos de inflamação que estão na origem de:
  • Doenças coronárias ou cardiovasculares, 
  • Asma,  
  • Cancro,  
  • Obesidade,  
  • Depressão,  
  • Entre outras... 
Fontes dietéticas de Ómega-6 incluem:
  • Salgados, fritos e bolos, 
  • A maior parte dos óleos vegetais (palma, colza, canola, cânhamo, soja, algodão, semente de girassol, milho, etc) e margarinas,  
  • Produtos industrializados feitos com gordura vegetal e gordura trans (presentes nas margarinas vegetais, doces e bolos empacotados para durarem meses em prateleiras, comidas processadas, etc). 
Ou seja, a alimentação ocidental dos últimos 100 anos. Não é de admirar que haja uma suposta necessidade de Ómega-3 que a indústria suplementar vem colmatar, na realidade existe todo um estilo de vida que é causa deste problema e cujos suplementos apenas vêm atenuar algumas das suas consequências. 
De facto este é o ''modus operandi'' das industrias de suplementação:
  • Identificam um componente químico que seja aparentemente benéfico, 
  • Financiam estudos que salientam os seus benefícios numa lógica descontextualizada,  
  • Enchem os canais de informação de publicidade para condicionarem a nossa opinião de forma a adquirirmos um suplemento que, sem o qual, aparentemente não poderíamos ser saudáveis,
  •  Lucram com a nossa desinformação. 
Estima-se que o rácio ideal de Ómega-6 para Ómega-3 será de 2:1 (2 ácidos de Ómega-6 para cada ácido de Ómega-3) e que com essa taxa a conversão de ALA em EPA/DHA é também optimizada... 
Consumindo menos Ómega-6 não só reduzimos os seus níveis e melhoramos o rácio diretamente, como ainda aumentamos os níveis de Ómega-3 de cadeias longas (EPA/DHA) através de uma melhor conversão das cadeias curtas (ALA), contribuindo para uma melhoria indirecta.
Conclusão:

  • Mais importante do que aumentar a ingestão de gorduras Ómega 3 é garantir o equilíbrio entre as gorduras Ómega 3 e as Ómega 6 consumidas, 
  • Quanto mais gorduras Ómega 6 consumirmos, maiores serão as nossas necessidade de gorduras Ómega 3. Desta forma, se reduzirmos o nosso consumo de gorduras Ómega 6, necessitaremos de menos quantidade de gorduras Ómega 3 para obter os tais benefícios na saúde,  
  • Sendo que bastam duas refeições de peixe (rico em ácidos gordos) por semana para termos o equivalente a 500mg de EPA/DHA diários, não me parece muito difícil estar dentro dos padrões recomendados sem recorrer a suplementos, 
Estão preocupados com baixos níveis de Ómega-3?
Comam saudável, ocasionalmente ponham um peixinho na ementa, uns ovos completos e esqueçam a comida processada, álcool, bolos, doces e fritos (apenas nos dias de festas e nem todos os dias são dias de festa), 

São vegetarianos?
Algas, Sementes de linhaça, nozes, chia e mais uns alimentos ricos em Ómega-3 referidos acima possibilitarão que o vosso corpo converta ALA em EPA/DHA em quantidade suficiente, se mantiverem também níveis baixos de Ómega-6.