Vince Gironda o ''Guru do Ferro''

Este Post vai iniciar o primeiro texto acerca de personalidades. Durante o decorrer dos tempos houve pessoas que quer pelo seu carácter, génio ou feitio, acções ou palavras, influenciaram e moldaram gerações e o mundo à sua volta.
Vince Gironda foi uma destas pessoas que deixou a sua marca no desporto do Bodybuilding e no exercício físico de uma forma geral e sentido lato, pois os seus ensinamentos e ideias não se resumiam meramente ao desporto, mas também alimentação, saúde, maneira de encarar a vida, etc.
Se tivesse que nomear a pessoa cuja a influência mais me marcou ou mudou, seria sem dúvida Vince Gironda e isto não é nenhum exagero.
Este senhor não me marcou pela sua positividade ou ensinamentos construtivos, mas sim pelos seus pontos de vista radicais e revolucionários, um género de nos tirar o tapete de debaixo dos nossos pés que nos faz colocar em dúvida tudo o que nos rodeia e tudo o que tínhamos como mais certo.
Vince foi um pioneiro e muitos dos exercícios e aparelhos que hoje usamos foram inventados ou reinventados por ele, mas infelizmente quem os popularizou não lhe deu o devido crédito (Arnold press, banco Scott, entre outros).
Além de um visionário, este senhor era de uma integridade moral inflexível, ora recusando fazer dinheiro com suplementos da treta, ora recusando usar máquinas que ele considerava inúteis e que não acrescentavam valor à prática desportiva (Nautilis, Weider, entre outros). Talvez por isso dele não reze a história.
Dados biográficos:
Vincent "Vince" Anselmo Gironda (9 Nvembro, 1917 – 18 Outubro, 1997) foi um Bodybuilder Americano, dono do famoso Vince's Gym, Personal Trainer de campeões e atores, apelidado de Guru do Ferro (Iron Guru). Nasceu em Nova Iorque, mais concretamente no Bronx a 9 de Novembro de 1917.
Enquanto criança mudou-se com a família para Los Angeles quando o seu pai, duplo de profissão, teve uma oferta de trabalho no filme ‘’Ben Hur’’. Vince tentou seguir os passos profissionais do pai e ao ver uma foto de John Grimek (fisioculturista), achou que precisava de maior desenvolvimento muscular.
Aos 22 anos começou a fazer musculação. O primeiro ginásio que frequentou foi o YMCA, durante 8 meses, antes de se mudar para o Easton Brothers Gym. 
Tornou-se instrutor e trabalhou neste ginásio (onde experimentou vários tipos e métodos de treino) até abrir o seu próprio espaço na parte norte de Hollywood, em 1948. Nascia assim o Vince’s Gym.
No ínicio dos anos 50 Vince era reconhecido tanto como treinador de campeões de culturismo como de atores de Hollywood. Tinha fama de conseguir pôr uma pessoa ‘’em forma’’ no mais curto espaço de tempo possível, razão pela qual a indústria cinematográfica de Hollywood lhe confiava os seus actores.
Algumas pessoas que treinaram no Vince’s Gym:
  • Robert Blake, Cher, Clint Eastwood, Denzel Washington, James Garner, Brian Keith, Robert McRay, Tommy Chong, Gordon Scott and Erik Estrada, Arnold Schwarzenegger, Larry Scott, Mohamed Makkawy, Don Howorth, Lou Ferrigno, entre outros... 
Currículo competitivo:
  • 1949 Pro Mr California -4th 
  • 1950 Mr USA -4th  
  • 1952 AAU Mr America -2nd
  • 1958 Mr USA -3rd  
  • 1962 Mr. Universe -2nd
Como podemos observar os resultados competitivos do Vince não foram nada de especial. Este facto foi atribuído por alguns à extrema definição com que ele se apresentava em palco, algo que na altura não era comum nem apreciado/compreendido (dava-se mais importância ao volume).
De qualquer maneira os melhores atletas nem sempre dão os melhores professores/treinadores e neste desporto do fisioculturismo acho que esta afirmação ainda é mais verdadeira que noutras modalidades.
Vince apontou algumas falhas que na sua opinião impediam grande parte dos bodybuilders de atingirem resultados (moldar o corpo):
  • Falta de concentração no treino (distrações, conversa, etc), 
  • Volume de treino extenso e treinos muito longos (muitas séries e muitos exercícios que excedem os 45 minutos de treino,  
  • Descanso entre séries demasiado longo (mais de 30 segundos),  
  • Pobre execução técnica dos movimentos (cargas muitos elevadas),  
  • Exercícios inadequados para o objetivo proposto.
Hoje em dia continuo a sentir que a maior parte das pessoas não atinge resultados ou objetivos porque continua a falhar num ou mais pontos acima descritos. Treinam demais, os treinos são demasiadamente longos, com demasiado volume de treino (séries e repetições) e abdicam da técnica em prol da carga.
Temos que ter em atenção que treinar não constrói músculo...destrói...a alimentação e o descanso reparam as fibras musculares de onde resulta o crescimento.
Daqui se entende que é preciso treinar apenas o suficiente, mais do que isso só atrasa o desenvolvimento.
Vince falava disto na década de 50...há mais de 60 anos!
As coisas que o Guru falava ou escrevia careciam sempre de enquadramento e particularização. Se não conseguirmos perceber ao que ele se refere e generalizarmos a informação que ele disponibilizava, corremos o risco de achar tudo contraditório.
Já li artigos onde ele fala sobre fazer um consumo diário de até 48 ovos (o equivalente a 348g de proteína), além das refeições normais e outros onde ele diz que nem os fisioculturistas necessitam de 300g de proteína diária (por ser excessivo).
Claramente as duas ideias se contradizem, resta saber ao que ele se refere e para quem ele está a transmitir esta informação. Um dos problemas é que as suas ideias, tal como ele, eram muito ''à frente'' para a época e ele simplesmente não se dava ao trabalho de entrar em detalhes. Na sua cabeça deviam ser coisas básicas que não careciam de explicação.
Vejamos alguns pontos de vista revolucionários do Guru do Ferro.
Em relação aos abdominais:
  • Vince afirmava que a maior parte dos exercícios de abdominais que conhecemos na verdade não trabalham os abdominais de uma forma isolada e que não deviam ser considerados exercícios para os abdominais, 
  • Os abdominais não devem ser tratados de uma forma diferente dos outros músculos, não ser trabalhados com altas repetições ou treinados todos os dias, pois isto apenas irá contribuir para a perda de tonificação,  
  • O trabalho abdominal em excesso causa stress e choque na zona do plexo solar, também conhecido como plexo celíaco, que é uma complexa rede de neurônios localizada atrás do estômago e debaixo do diafragma (conhecida no Hinduísmo e Budismo como um ponto de energia chamado Manipura Chakra). Este stress resulta numa perda de volume e dificuldade na obtenção de massa muscular,  
  • O trabalho abdominal, de facto, não contribui para a diminuição da cintura mas sim para o seu aumento (os músculos quando trabalhados tendem a fortalecer e a crescer),  
  • Deve-se perder gordura (através de treino intenso e alimentação adequada) antes de se começar um treino específico para os abdominais.
Em relação ao crescimento muscular:
  • A maneira mais rápida de ganhar volume muscular passa por trabalhar os músculos de uma forma não específica (trabalhar os 4 aspetos diferentes de cada músculo),
  • O tecido muscular (diâmetro das fibras musculares) só cresce quando taxado (pelo menos) a 85% de intensidade,  
  • Trabalhar sempre no máximo de intensidade (100%) faz parar o crescimento muscular, este tipo de intensidade total requer 72 horas de repouso após o treino para recuperar deste esforço,
  • Nascemos e morremos com o mesmo número de fibras musculares no nosso corpo, daqui se concluí que o crescimento muscular dá-se através do aumento do número de vasos capilares (que irrigam de sangue os músculos) e o fortalecimento dos impulsos nervosos que controlam os nossos músculos, e do aumento do diâmetro das próprias fibras musculares. Para adquirir músculos maiores (volume) é necessário aumentar a intensidade do treino por unidade de tempo, isto requer diminuir o nosso tempo de treino através da diminuição dos tempos de descanso entre as séries (que é uma forma de aumentar a resistência/resistência progressiva), Vince considerava isto mais importante do que o aumento das cargas,  
  • Não importa a quantidade de trabalho que se faz (volume de treino) mas sim o tempo que demoramos a fazer esse mesmo trabalho, isto obedece ao príncipio de sobrecarga que explica porque os sprinters têm mais massa muscular do que os corredores de longas distâncias, pois embora o maratonista faça mais trabalho (no total) ao correr 40km, o sprinter faz mais trabalho (por segundo) quando corre apenas 1km,  
  • Se 15 séries (no total) não são suficientes para treinar um músculo, então não nos estamos a concentrar adequadamente. 15 séries (no máximo) têm de ser suficientes para treinar cada músculo durante o treino.
Em relação à concentração:
  • Concentração e foco num objetivo é a chave para o sucesso, podemos copiar as rotinas dos campeões, os exercícios, repetições, séries, cadência e tempos de descanso, mas ao ver estas pessoas a treinar parece sempre que elas estão a fazer algo diferente de nós...esse algo é a concentração, o desligar de tudo o resto para se focarem no objetivo, 
  • Saber o que fazemos, conhecimento dos músculos, como eles trabalham, a sua anatomia, nutrição, cinestesia (body awareness), todo esse processo mental obriga o corpo a reagir melhor e a encaminharmo-nos para resultados. É preciso acreditar no que estamos a fazer e não mudar de rotina constantemente à procura do treino perfeito ou resultados instantâneos, no fundo dar uma chance verdadeira ao objetivo e meios a que nos propomos para o atingir.
Em relação à alimentação:
  • ‘’O nosso corpo é mais de 85% nutrição’’, o resto é treino, descanso e outros fatores...  
  • Para rápido crescimento muscular o Vince recomendava ovos cozidos ou crus misturados com algo semelhante a natas (half and half),  
  • Na opinião dele os ovos eram a proteína mais biológica disponível (ovos fertilizados e de criação não intensiva) e ajudavam a atingir o que ele chamava de balanço positivo de Nitrogénio (precursores de testoesterona),   
  • Grande adepto de suplementação, vários compostos desde vitaminas, aminoácidos, comprimidos de alga kelp (para estimular a tiróide), fígado dissecado, enzimas digestivas, ácidos hidroclórico (para melhorar a digestão), óleo de tri-gérmen (mistura de trigo, soja e arroz), entre outros, eram aconselhados a serem tomados durante 3 dias seguidos de uma paragem de 3 dias,  
  • A dieta pré-histórica (paleolítica que está tão na moda hoje) era aconselhada para quem queria ganhar definição e um corpo musculado. Era baseada em gordura e proteína, com poucos hidratos (maioritariamente saladas), tal como nos tempos do homem-caçador paleolítico,  
  • A proteína demora 4 horas (após ingestão) a chegar à corrente sanguínea e mais 3 horas até ser completamente assimilada, daí se recomendar tomar suplementos proteicos (aminoácidos, fígado dissecado, ovos batidos, etc) de 3 em 3 horas de forma a manter um fluxo constante de proteína no sangue,  
  • Deve-se comer órgãos (tecido glandular) como o fígado, rins, cérebro, etc, pois na opinião de Vince estes são precursores hormonais. No mundo animal o tecido glandular é a primeira carne que os animais comem depois de caçar e matarem a presa,
  • Não misturar hidratos complexos (pão, massas, cereais) com gorduras, pois elas são digeridas no estomâgo em diferentes ambientes. Os carbohidratos num ambiente alcalino, as gorduras e proteínas num ambiente ácido. A mistura dos dois pode resultar numa má digestão,  
  • Comer o suficiente e não demais, para o aparelho digestivo não ficar ocupado na gestão da comida extra e perder a sua eficiência digestiva.

Em relação a treinos e exercícios:
  • Vince recomendava para os iniciantes um programa de 3 séries de 8 repetições. Quando evolução suficiente tivesse sido atingida, um treino de 5 séries de 5 repetições, a seguir o 6x6, e só depois o 8x8. Mas cada caso era um caso, esta é apenas uma das suas generalizações, 
  • O supino plano é um exercício que trabalha maioritariamente (80%) o ombro (deltóide anterior) e não o peitoral (20%). Exceção feita quando trazemos a barra até à base do pescoço (movimento preconizado pelo Vince),  
  • O melhor exercício de peito (que trabalha a parte inferior e exterior, tida como mais importante para o realçamento do peitoral) são os fundos em V (como nas imagem),  
  • Os agachamentos feitos de forma ‘’tradicional’’ alargam a cintura e trabalham os glúteos e por esse mesmo motivo, não só destroem a proporção que um corpo bonito exige, como são inúteis para a maior parte das pessoas (exceção feita para aqueles/aquelas que têm uma cintura muito fina e quase nenhum volume ou firmeza nos glúteos),  
  • Os melhores agachamentos (que trabalham quadricípete e não glúteos) são os sissy squats e os agachamentos com a barra debaixo das nádegas (ou no pescoço) desde que o corpo fique sempre direito (sem inclinar para a frente) e os calcanhares se encontrem levantados (em cima de algo com +/- 6cm),  
  • Era colocada muita importância no tempo, sendo este entendido como a velocidade a que se treinava. Basicamente Vince era fã de treinos curtos (45min no máximo) com exercícios a serem efetuados com perfeição técnica e os descansos entre eles reduzidos ao mínimo (de 10 a 20 segundos). Os treinos deviam ser cronometrados e haver um esforço para diminuir esse tempo,  
  • A razão pela qual os treinos não devem passar a marca dos 45 minutos é a de que após isso o nível de açúcar no sangue desce e começamos a perder tónus muscular, a queimar massa muscular para obtenção de energia e a esgotar os nossos níveis de hormonais de testoesterona e hormona de crescimento.
Acerca da criação de uma ilusão:
  • Construir um bom físico não se trata de tornar os músculos maiores, atingindo o maior tamanho possível para eles. Construir um bom físico trata-se proporção e simetria, 
  • As bases foram lançadas por Pitágoras e popularizadas pelo ‘’homem vitruviano’’ de Leonardo Da Vinci. Um homem deve ter 8 cabeças de altura, 2 cabeças e meia de largura de ombros, 1 cabeça de cintura, etc...  
  • Para quem não nasce proporcionalmente perfeito (mais de 90% da população?), o segredo da construção de um bom corpo reside no acrescentar de massa muscular e no retirar de gordura em pontos chaves e estratégicos que realcem essa proporcionalidade,  
  • Vince falava que cada um de nós tem um plano mestre já delineado(no que diz respeito ao nosso corpo) e na qual a natureza deixou a sua impressão digital. Devemos ser fiéis a ela e aproximarmo-nos o melhor possível desse plano,  
  • Por outras palavras a nossa estrutura óssea, entre outras coisas, já nos delimita e nos diz o tipo de corpo que podemos ter e em que nos podemos transformar ou tornar. Um Rotweiller não se pode tornar num Chiuaua e vice versa. Temos de nos aceitar como somos e trabalhar para ser o melhor possível de acordo com essas linhas mestras,  
  • O treino tem de ser individualizado e adaptado às nossas necessidades, usando a arte de ‘’criar uma ilusão’’. Esta ilusão passa por uma cintura fina e uns ombros largos (para os homens), é isto que é considerado proporcional e simétrico,
  • Uma cintura fina faz realçar o peito e dar a aparência de ser maior do que ele é,  
  • Ombros largos dão a ilusão das costas terem a forma de um V (mesmo que não tenham) e quanto mais fina a cintura for (em combinação com a largura dos ombros), maior as costas vão parecer...parecer...é tudo uma questão de ilusão e trabalhar os pontos chaves de cada um,  
  • Já nas mulheres não estou tão confiante em definir proporcionalidades, mas sem dúvida que a cintura tem que ser menor que os ombros...’’o corpo de violão’’ traduz essa cintura, com os ombros quase tão largos como as ancas, sendo as coxas uma área a supervisionar devido à facilidade com que as mulheres ganham gordura nesta zona,  
  • A ilusão é criada quando percebemos onde temos que pôr massa muscular e onde temos de tirar volume para poder chegar à nossa linha mestra, que nos dará esse físico impressionante que todos procuramos e que é único para cada um de nós. Tamanho sem forma deixam o corpo desprovido de elegância!
A conclusão é que quase ninguém nasce proporcionalmente perfeito, imperfeições estruturais e irregularidades musculares não podem ser radicalmente alteradas mas podem ser disfarçadas...criando uma ilusão!
Quem é baixo pode criar a ilusão de ser mais alto se tiver uma cintura fina e uns ombros largos. Se tiver a cintura larga e os ombros estreitos vai parecer ainda mais baixo e atarracado.
A mesma ilusão é fomentada e criada na roupa e na moda:
  • Padrões com riscas na vertical em vez de na horizontal fazem as pessoas parecerem mais altas, 
  • Roupa mais escura na parte inferior do corpo para atrair a atenção para o tronco, a mesma coisa.... Tudo isto faz parte da criação da ilusão e da proporcionalidade referida por Da Vince no homem vitruviano e no número de ouro.
Não podemos ser o que quisermos, mas podemos ser o melhor que fomos desenhados para ser...e isso...é mais do que aquilo que imaginamos possível.
Fica aqui a minha homenagem à grandeza e visão deste homem, homenagem essa que por mais voltas que dê nunca fará justiça ao que ele representa.
Alguma bibliografia: